Sem interromper transmissão, Brasil corre risco de perder status de país 'livre' do sarampo

Situação também pode afetar negócios, diz ministro; problema é agravado por cobertura vacinal em queda

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

Com baixas coberturas vacinais e sem conseguir interromper a transmissão do sarampo, o Brasil corre risco iminente de perder o certificado internacional de eliminação da doença obtido há três anos da Opas (Organização Panamericana de Saúde).

Para manter esse status, o país precisava evitar que surtos de sarampo importados de outros países se estendessem por mais de um ano. Só em janeiro de 2019, no entanto, ao menos três casos foram confirmados. Outros 50 casos, sendo 33 deste ano, ainda estão em investigação. 

Caso registre novos casos nos próximos dias, o certificado poderá ser cancelado. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, admite o risco.

"É uma avaliação internacional, goste ou não. Hoje, há vários países com surtos de sarampo porque o vírus continua, e é preciso manter o índice vacinal alto para manter o certificado. Mas o nosso índice caiu", afirma.

Para ele, a possível perda do status de país livre do sarampo deve trazer prejuízos não só à saúde, mas também a economia.

“Em termos de saúde pública, há um impacto porque o sarampo é doença que causa morte, encefalite, cegueira. Ela sobrecarrega o sistema de saúde. Mas há também um problema de ordem econômica, na instância de turismo e de negócios, por exemplo. Às vezes você quer pegar um avião em Nova York para fechar negócio em São Paulo. E a pessoa não pode sair porque não tem vacina de sarampo”, afirma. "Perder o certificado significa alto prejuízo para o trânsito de negócios dos estados."

O alerta para o sarampo, porém, não vem de agora. Após dois anos sem casos, um primeiro registro de um novo avanço da doença ocorreu há exatamente um ano em Roraima, com o atendimento de uma criança venezuelana com sintomas de febre, tosse, manchas vermelhas, coriza e conjuntivite.

Dias depois, com surto de sarampo no país vizinho e queda na vacinação no Brasil, outros casos passaram a serem registrados. Em todo o ano de 2018, foram 10.302 casos de sarampo em 11 estados.

Inicialmente, o governo tinha expectativa de que a transmissão fosse interrompida em poucos meses. O vírus, no entanto, se expandiu para mais estados —e a transmissão dá sinais de que pode continuar a ocorrer.

Atualmente, três estados ainda registram transmissão ativa de sarampo, segundo o Ministério da Saúde. São eles: Pará (estado que teve os últimos casos confirmados), Amazonas e Roraima.

O secretário estadual de saúde do Pará, Alberto Beltrame, diz que a situação caminha para controle nas cidades onde houve registro de casos. Mas admite o risco de novos surtos em outros locais. "O que preocupa no Pará sobre a cobertura vacinal é que só temos 24 de 144 municípios com cobertura vacinal acima de 95%. O restante está abaixo disso. O risco de ter novos surtos é grande."

A situação deve agora ser avaliada pela Opas (Organização Panamericana de Saúde), que emitiu o certificado em 2016.

Segundo a organização, a data de referência para o fim da transmissão será a próxima segunda-feira, 18 de fevereiro. Qualquer novo registro suspeito após essa data, assim, indicaria que o país deixou de controlar o sarampo –o que representaria uma derrota em termos de saúde pública.

A referência foi escolhida porque neste mesmo dia, em 2018, foi notificado um caso da doença em um paciente brasileiro em Roraima. 

Até os últimos meses, porém, havia a avaliação de que o surto estava atrelado a um vírus importado da Venezuela. Passado um ano, especialistas podem considerar que há transmissão sustentada de sarampo, e não apenas casos de um “surto importado” de outros países.

Em meio ao problema, o Ministério da Saúde enviou na última semana equipes aos três estados ainda com casos suspeitos. O objetivo é tentar organizar estratégias para interromper a transmissão do vírus.

Técnicos da pasta, no entanto, admitem o risco de que as ações não sejam suficientes. E elencam a queda na vacinação como principal fator para isso.

BAIXA VACINAÇÃO

Dados preliminares do Ministério da Saúde apontam que, apesar do aumento na mobilização em torno da importância da vacinação no último ano, as coberturas continuaram baixas em 2018 –e podem inclusive ter tido uma nova queda.

Em 2017, a cobertura vacinal de crianças já havia atingido o menor índice em 16 anos, conforme revelou a Folha. Agora, tudo indica que o problema continua. 

É o caso do sarampo. Para comparação, em 2011, a cobertura da 1º dose da vacina tríplice viral, que protege contra a doença, era de 102,3%. Em 2017, caiu para 90,4% e no último ano, para 83,4%. Já na segunda dose, o índice é ainda menor: 75,2% em 2017 e 68% no último ano.

O Ministério da Saúde, contudo, afirma que ainda é cedo para confirmar a nova queda, já que municípios ainda têm até abril de cada ano seguinte para terminar de enviar os dados do anterior, o que pode elevar os índices.

Apesar da falta de confirmação sobre os parâmetros atuais, representantes de estados e municípios afirmam que não há dúvida de que a adesão à vacina tem ficado abaixo do esperado –do contrário, não teríamos um retorno e manutenção de casos de sarampo, por exemplo.

“Nada justifica essa cobertura. Temos que ter a ousadia de propor a obrigatoriedade da vacina”, afirmou Mauro Junqueira, presidente do Conasems (conselho nacional de secretários municipais de saúde), em reunião com ministério e secretários estaduais de saúde.

Para ele, o problema está atrelado ao aumento no número de vacinas incluídas no SUS nos últimos anos, o que obriga pais a irem mais vezes aos postos de saúde, além das limitações de horário dos postos de saúde e campanhas “negativas” com informações falsas nas redes sociais.

Outro fator que deve ser considerado, aponta, são problemas nos sistemas de envio de dados, o que poderia distorcer os índices, e a cobrança de órgãos de controle para que não haja desperdício de doses –o que impede que alguns frascos de vacina sejam abertos para administrar apenas uma dose.

A coordenadora do Programa Nacional de Imunizações, Carla Domingues, contesta que esse seja um fator. “Temos vacinas mono-doses com baixas coberturas vacinais, inclusive aquelas que não tiveram falta nos últimos anos”, afirma. “Temos que pensar o processo da vacinação como um todo”.

Mandetta concorda. Segundo ele, o governo deve analisar medidas para tentar aumentar as coberturas ainda nos primeiros 100 dias de governo. 

Uma delas, diz, é a possibilidade de usar a campanha de vacinação contra a gripe, prevista para ocorrer em abril, para chamar atenção dos pais sobre a necessidade de atualização da caderneta vacinal de toda a família. 

"O sarampo mata, e a pólio ainda circula no mundo. Muitos hoje não têm noção da gravidade dessas doenças", afirma.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.