PERSEGUIÇÃO RELIGIOSA NA RUA DO ACRE, nº 19, SOBRADO

Maria da Conceição Cardoso Panait[0]

 

Introdução

O presente artigo objetiva evidenciar a importância dos processos judiciais históricos da justiça federal da 2ª Região como fontes primárias de pesquisa, tanto no que diz respeito à preservação da memória institucional, quanto na investigação da história dos direitos sociais, políticos e econômicos no Brasil. Para tanto, foi selecionado para esta análise um processo que aborda a temática da intolerância religiosa. Muito embora o marco temporal seja o período de 1932 a 1933, o assunto ainda é atual e merecedor de profunda reflexão.

A Constituição da República de 1891, primeira carta republicana, garantia expressamente a liberdade de crença e culto[1]. Entretanto, em sua vigência, foi intensa a perseguição policial aos cultos das religiões de matriz africana, com frequentes invasões de terreiros, prisões e apreensões de objetos considerados sagrados[2]. Amparado pelo Código Penal da época (Decreto nº 847, de outubro de 1890), o Estado se fazia presente, criminalizando manifestações e práticas rituais entendidas como curandeirismo, baixo espiritismo, magia negra ou charlatanismo, com base no exercício ilegal da medicina[3]. A criminalização do candomblé, dos rituais de cura e feitiçaria era assunto frequente nos jornais que circulavam na República Velha e década de 1930, entendendo tais práticas como “atraso cultural” e até anti-higiênicas [4].

O caso concreto

Os processos judiciais, assim como as notícias jornalísticas da época, são genuínas fontes de pesquisa para o resgate da memória. A notícia abaixo, veiculada em 10/4/1932 (jornal Correio da Manha, p. 6) foi matéria discutida em uma Instrução Criminal que faz parte do acervo dos processos judiciais históricos da Justiça Federal da 2ª Região[5].

 

Nestes autos constam as peças do inquérito que apurou conduta do português José Chaves da Costa, de 32 anos, preso em flagrante, às 22 horas e 30minutos do dia 08 de abril de 1932. O fato ocorreu no primeiro andar do prédio situado na Rua do Acre nº 19, onde funcionava o Centro Espírita São Sebastião, em salas cedidas pela Sociedade Musical Banda Luzitana, no centro da cidade do Rio de Janeiro. As testemunhas – os guardas civis José Tuyuty Batalha, Antonio Ferreira da Silva e Octávio Bianchi – declararam que, no momento da prisão, o acusado estava “manifestado” com o espírito de caboclo Pai José. Afirmando ser médium inconsciente, José Chaves da Costa dava passes mediúnicos na doméstica Maria de Souza, com o objetivo de curar suas dores cabeça, no peito e nas costas.

O Delegado de polícia Anezio Frota Aguiar, da 1ª Delegacia Auxiliar do Distrito Federal, autuou José Chaves da Costa nos crimes tipificados nos artigos 156 e 157 do Código Penal vigente à época, sob o argumento de prática de “baixo espiritismo” e magia negra” e ausência de habilitação legal para o exercício da medicina. Foram apreendidos os seguintes objetos: dois cachimbos, dois pacotes abertos de fumo da marca “5 pontas”, um pedaço de charuto queimado, um pequeno embrulho contendo goma arábica, um vidro branco com urina, uma bandeja com a importância de 6 mil e quinhentos réis, um embrulho de carvão vegetal, vários pedaços de papel escritos, inclusive receitas e consultas.

Nesta fase inquisitorial, exames de sanidade física foram realizados em Maria de Souza e em Maria da Conceição, outra consulente que aguardava a vez para livrar-se de dores na barriga. A perícia foi feita pelos médicos legistas Luis Antonio Moretzsohn Barbosa e Atila Torres.

A denúncia foi recebida, inicialmente, pelo Juiz de Direito da 5ª Vara Federal do Distrito Federal, Dr. João Severiano Carneiro da Costa. Mas, em obediência ao art. 43 do Decreto nº 20.931, de 11 de janeiro de 1932[6], o processo foi, posteriormente, remetido para a 3ª Vara da  Justiça Federal da Capital.

Atuaram nos autos: o Procurador dos Feitos da Fazenda Pública Rubens Maximiano de Figueiredo, o juiz substituto Waldemar da Silva Moreira, o 1º suplente do Juiz federal substituto Jorge Dyott Fontenelle e o 2º suplente do juiz federal substituto Olyntho Nogueira[7]. A sentença foi proferida pelo Juiz Federal Francisco Tavares de Cunha Mello, que extinguiu a ação penal por inexistência de provas[8]. Transcorrido o prazo para a interposição de recursos por parte do Ministério Público, o processo foi arquivado.

Conhecendo um pouco a história da Justiça Federal através destes autos

A Justiça Federal foi criada no Brasil pelo governo provisório instituído após a proclamação da República. A organização judiciária federal foi estabelecida no Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890, sendo composta de duas instâncias: Supremo Tribunal Federal (segunda instância) e os juízes seccionais ou federais, um para cada estado da federação (primeira instância). Além dos juízes federais, que eram vitalícios e nomeados pelo Presidente da República, também foi previsto um juiz substituto do juiz federal (com mandados de 6 anos, nomeados pelo Presidente da República) para compor cada uma das varas.

O Decreto nº 848 também disciplinou a estrutura do Ministério Público Federal, composta pelo Procurador Geral da República e por Procuradores Seccionais, um em cada estado da federação. Competia aos procuradores seccionais velar pela execução das leis, decretos e regulamentos aplicados na justiça federal, bem como promover a ação pública, quando coubesse[9].

A Constituição de 1891 praticamente manteve todas as disposições do Decreto 848, mas acrescentou à estrutura da justiça federal os Tribunais Federais, que não chegaram a ser criados. Em 1894, a Lei nº 221, de 20 de novembro, além de criar os Júris Federais com competência para o julgamento de matéria penal, também instituiu a figura do juiz suplente do substituto de juiz seccional, nomeados pelo Presidente da República com mandato de quatro anos. O art. 19 da Lei nº 221/1894 previa que os juízes suplentes, na sede do juízo seccional, só funcionariam na falta ou impedimento do juiz substituto, procedendo diligencias determinadas por estes. Os suplentes, nos casos de urgência e na ausência dos demais, poderiam tomar medidas assecuratórias de direito ou preventivas de danos ou perigo iminente, participando seus atos imediatamente ao juiz federal.

Na vigência da Constituição de 1891, foram criadas mais duas varas federais no Distrito Federal (que na época era a  cidade do Rio de Janeiro): a segunda vara federal foi criada em 1904 (Decreto n. 1.152, de 7 de janeiro de 1904) e a terceira,  onde tramitou o processo criminal estudado, foi criada em 1924 (Decreto nº. 4.848, de 13 de agosto de 1924). O primeiro juiz federal da terceira vara federal foi o Dr. Henrique Vaz Pinto Coelho, sucedido em 1932 pelo Dr. Francisco Tavares da Cunha Melo. Este último magistrado permaneceu na referida vara até a extinção da primeira instância federal pela Constituição de 1937.

A composição da 3ª Vara Federal do Distrito Federal, no marco temporal sob análise (1932-1933), era a seguinte[10]:

Juiz Federal : Francisco Tavares da Cunha Mello

Juiz Federal substituto : Waldemar da Silva Moreira

1º Juiz  Suplente do Substituto: Jorge Dyott Fontenelle

2º Juiz Suplente do Substituto: Olyntho Nogueira

Escrivão : Fernando de Faria Junior

A identificação dos atores, que em algum momento da história fizeram parte da justiça federal, ainda é uma lacuna pouco explorada, merecedora de estudos mais profundos e exatos ao longo da República. Nesse sentido, oportuna é a tentativa de enriquecer o presente artigo com um breve levantamento bibliográfico:

Juiz Federal Francisco Tavares da Cunha Mello

Francisco Tavares da Cunha Mello nasceu em Pernambuco, em 16 de dezembro de 1880. Graduou-se em bacharel em março de 1902, pela faculdade de Direito de Recife e iniciou sua carreira pública no Estado do Amazonas, onde ocupou diversos cargos, inclusive o de juiz federal (Decreto de 3 de junho de 1909), por 13 anos. Em 1922 foi removido para a seção judiciária federal do Estado de Pernambuco e, em 1932, para a seção judiciária do Estado do Rio de Janeiro (Decreto de 16 de junho de 1931). Posteriormente assumiu o cargo de juiz federal da 3ª Vara Federal do Distrito Federal (Decreto de 15 de abril de 1932).

Em 1937, quando a Constituição do Estado Novo extinguiu a justiça federal de primeira instancia, Cunha Mello foi indicado para o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal (Decreto de 16 de novembro de 1937), ocupando a vaga do Ministro Hermenegildo Pereira Barros, aposentado no novo regime.

Francisco Tavares da Cunha Mello se aposentou em 1º de abril de 1942 e faleceu em 21 de junho de 1950, na cidade do Rio de Janeiro. Maiores informações sobre sua biográfica podem ser obtidas no site do Supremo Tribunal Federal, na galeria dos Ministros daquela Corte[11].

Juiz Federal substituto Waldemar da Silva Moreira

Waldemar da Silva Moreira iniciou sua vida profissional em 1918, ao ser aprovado em concurso para o Ministério da Fazenda[12]. Em 1919 graduou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Livre do Rio de Janeiro[13]. Casou, em 1924, com Lucia Tibau da França, filha do Ministro do Supremo Tribunal Federal Geminiano França[14], sendo naquele mesmo ano nomeado juiz substituto da 3ª Vara da Seção do Distrito Federal (Decreto de 20 de outubro de 1924)[15].

Waldemar da Silva Moreira foi o único juiz substituto desta Vara, desde a sua implantação. Em 1937, com a extinção da justiça federal de primeira instância, foi colocado em disponibilidade[16] e, em 1939, nomeado para o cargo de Oficial administrativo Classe I, do quadro único do Ministério do Trabalho [17]. Em 1941 assumiu o cargo de Consultor Jurídico do Ministério da Aeronáutica[18] e foi membro da Comissão de Desapropriação de Terras da ilha do Governador [19], até se aposentar em 1949. No período entre 1952 a 1954, participou da Comissão Fiscal da Sociedade de Direito Aeronáutico [20] , reunindo vasto acervo bibliográfico sobre o assunto (Coleção Waldemar da Silva Moreira), que hoje pertence à Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ[21].

1º Juiz Suplente do juiz substituto: Jorge Dyott Fontenelle

Jorge Dyott Fontenelle foi um importante e ativo advogado do período da República Velha[22]. Há indícios de que ele se graduou em 1908, pela  Faculdade Livre de Ciências Jurídicas do Rio de Janeiro[23] e que em 1909 foi nomeado representante da Fazenda Pública nos processos de desapropriação para execução das obras de melhoramento dos portos [24]. Na década de 20, Jorge Dyott Fontenelle foi colaborador do Jornal Gazeta de notícias, na Seção Gazeta Jurídica [25] e fez parte da Comissão da Legislação Estadual do Instituto dos Advogados [26], ao lado de José de Castro Nunes, Antonio Mangarinos Torres e Ulisses Brandao [27].

Em 1928 foi classificado em 3º lugar no concurso de Juiz de Direito[28], mas não há notícias de sua posse. A sua passagem na justiça federal provavelmente começou em 1929, no cargo de 1º juiz suplente do substituto de juiz seccional, com mandato de quatro anos e nomeação pelo Presidente da República[29].

Jorge Dyott Fontenelle foi um dos legisladores da República Nova [30]. Em 1931 compôs a comissão legislativa criada pelo Decreto nº 19.458, de 6/12/1930, na subcomissão de Falências. Foi ainda Conselheiro da Ordem dos Advogados (biênio 1947-1948)[31], Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados (biênio 1951-1952)[32] e Presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (biênio 1954-1956)[33]. O jurista era o pai do conhecido advogado carioca Celso Augusto Fontenelle, falecido em 2011, aos 94 anos de idade. Seguindo os passos de seu genitor, Celso Fontenelle dedicou 70 anos ao exercício da advocacia, vindo também a ocupar por algumas gestões a presidência da OAB/RJ) e o Conselho do Tribunal de Ética e Disciplina da Seccional[34].

Segundo Juiz Suplente do Substituto : Olyntho Nogueira

Formado pela Turma de 1918 da Faculdade Livre de Direito[35], o mineiro Olyntho Nogueira foi atuante advogado na década de 20 no Rio de Janeiro[36] e membro do Instituto do Advogado [37]. Possuía, ainda, formação em engenharia, em medicina e escreveu diversos trabalhos sobre temas policiais, entre eles o livro Polícia Técnica, publicado em 1934 [38].

Em julho de 1930 ingressou na Justiça Federal como 2º suplente de juiz substituto na 3ª Vara na Seção do Distrito Federal[39]. Em novembro do mesmo ano foi nomeado Delegado de Polícia para o 25º Distrito da Capital [40].

O §5º do art. 3º, da Lei nº 221, de20 de novembro de 1894, dispunha que os suplentes poderiam perder o lugar em virtude de incompatibilidade declarada por lei, mas não há informações se houve cumulação de cargos, ou se Olyntho Nogueira foi licenciado do poder judiciário para assumir a delegacia. Em fevereiro de 1931 foi nomeado Secretário Geral da Comissão Central criada para reformar a Polícia Civil do Distrito Federal[41] e participou de importantes discussões, ao lado de diversos juristas da época, como Sá Freire, Evaristo de Moraes, Rodrigo Caó, mas em dezembro daquele ano pediu a sua exoneração do cargo de delegado de polícia[42]. No período em que tramitou o processo criminal estudado (1932-1933), Olyntho Nogueira nele atuou como 2º juiz suplente do juiz substituto, sendo o signatário da promoção final de 14 de março de 1933 (fls. 125/125v. do processo criminal) . Faleceu em 24 de fevereiro de 1935[43].

Procurador dos Feitos da Saúde Pública : Rubens Maximiano Figueiredo

A criação do Departamento Nacional da Saúde Pública ocorreu em 1920, com a aprovação do Decreto nº 14.354. Após a reforma da saúde pública, em 1926, o órgão ficou subordinado ao Ministério da Justiça. Os Procuradores dos Feitos da Saúde Pública eram funcionários desse departamento, nomeados pelo Presidente da República[44], sendo considerados membros do Ministério Público Federal por força do art. 49 do Decreto nº 5.053, de 06/11/1926.

Segundo o relatório[45] do ano de 1932, que o Ministro Procurador Geral da República Bento de Farias apresentou ao Chefe do Governo Provisório Getulio Vargas, a Procuradoria dos Feitos da Saúde era constituída pelo Procurador Rubens Maximiano Figueiredo e pelos Procuradores Adjuntos, Edgar de Castro Barbosa e José Caetano da Costa e Silva, todos nomeados em 1º /10/1920

Rubens Maximiano Figueiredo era filho de João Maximiano de Figueiredo, antigo Senador da Paraíba[46] . Graduou-se  em  1917, na Faculdade  Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro[47]. Atuou como advogado da área comercial, cível e criminal [48], cumulativamente com o cargo de Procurador dos Feitos do Departamento de Saúde Pública. Foi também professor de Direito Constitucional da Faculdade de Ciências Econômicas do Rio de Janeiro[49].

Em 1936 fez parte da Comissão incumbida de desapropriar os prédios e terrenos da área destinada a construção da cidade universitária[50]. Em 1937, no Estado Novo, foi nomeado Consultor Jurídico em comissão do Ministério da Educação e Saúde[51]. Em 1940, tomou posse como 4º Promotor Público da Justiça do Distrito Federal [52], e atuou como 3º Curador de Família do Ministério Publico[53].

Escrivão Fernando de Faria Junior

Fernando de Faria Junior trabalhou no Ministério da Indústria e Comércio, junto a Diretoria Geral de Estatística, entre 1911 a 1921[54]. Em 1922 foi empossado como oficial de Gabinete do Ministério da Justiça e do Interior, chegando a ser Secretario particular do Ministro[55] . Com a implantação da 3ª Vara Federal em 1924, foi nomeado para ser o Escrivão[56],, e trabalhou com os Juízes Federais Henrique Vaz Pinto Coelho e Cunha Mello. Em 1937, com a extinção da justiça Federal, passou a ser o Escrivão do 3º Ofício da 3ª Vara de Fazenda Pública do Distrito Federal[57].

Durante os anos em que trabalhou neste ofício, Fernando de Faria Junior fez vários amigos, tornando-se figura conhecida e admirada nos meios jurídicos. Em 1938 foi homenageado com um pergaminho assinado por diversos advogados que militavam no foro do Distrito Federal e por várias outras autoridades[58]. Fernando de Faria Junior faleceu no dia 21 de abril de 1944, aos 60 anos de idade[59].

Conclusão

Através de uma simples análise descritiva da fonte documental selecionada, foi possível levantar um conjunto de informações relevantes, não apenas para a história social brasileira, mas essenciais para o resgate da memória da própria justiça federal, como o levantamento de magistrados e outros operadores do direito que passaram na instituição, a ordem constitucional e legislativa vigente, as práticas processuais, etc.

Acontecimentos e transformações no espaço urbano se relacionam a própria história da cidade do Rio de Janeiro, que por tantos anos foi capital do Império e da República. Compulsando os autos históricos, destaco mais um registro a ser acrescido à história da Rua do Acre, que hoje abriga, no número 80, a sede do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Em 1932, em prédio nº 19 primeiro andar, funcionava o Centro Espírita São Sebastião, em uma das salas da Sociedade Musical Banda Luzitana, que foi palco de uma, entre muitas perseguições policiais religiosas da década de 30. Além disso, numa época em que a prática de religiões de matrizes africanas era “caso de polícia”, também não deixa de ser curioso o fato do réu, o “pai de santo” José Chaves da Costa, ser nacional português, sem uma clara ascendência africana, ao contrário do que se imagina o senso comum.

O acervo dos processos judiciais históricos são, portanto, fontes inéditas que podem embasar relevantes pesquisas historiográficas, estimular a reflexão e suprir muitas lacunas. Daí a importância da preservação e tratamento dessa documentação única, que abriga muita história ainda não contada do nosso país.

[0] Maria da Conceição Cardoso Panait é pesquisadora sobre a História da Justiça Federal Brasileira, Mestre em Justiça Administrativa (UFF), Doutoranda em História Comparada (UFRJ) e Analista Judiciário do tribunal Regional Federal da 2ª Região.

[1]  O art. 72, § 3º da Constituição de 1891, dispunha o seguinte: Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, á segurança individual e à propriedade nos termos seguintes: (…) § 3º Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer publica e livremente o seu culto, associando-se para esse fim adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum;

[2] Os jornais da época noticiavam as frequentes batidas policiais que ocorriam em diversas regiões da cidade. Citamos como exemplo algumas chamadas jornalísticas: Um “cangerê” infernal: a polícia surpreende um antro de magia negra ( Gazeta de notícias, 8/6/1919, p. 2); A Polícia e os “candomblés”: uma campanha necessária (Diário de Notícias, 7/10/1926, p.7); Polícia compareceu a “macumba”. E o pai de santo foi parar no Xadrez (Jornal A Manha (RJ), 2/7/1927, p.7); Praticava a “magia negra” e foi denunciada ( Diário de notícias (RJ), 27/8/1930, p.7); A polícia interrompeu a macumba (Jornal Diário de notícias de 2/5/1931, p.4); Quando a função ia animada na “macumba”, a polícia chegou, detendo os devotos e o “Pai de Santo”, e apreendeu um arsenal de bugigangas (Diário de Notícias de 6/4/1932,p.1).

[3] O Código Penal promulgado pelo Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890, dedicou um capítulo aos Crimes contra a saúde pública, inserido no Título III (crimes contra a tranquilidade pública). Os instrumentos de repressão policial, que criminalizavam as referidas práticas religiosas, tinham quase sempre como fundamento os seguintes artigos:

Art. 156. Exercer a medicina em qualquer dos seus ramos, a arte dentaria ou a farmácia; praticar a homeopatia, a dosimetria, o hipnotismo ou magnetismo animal, sem estar habilitado segundo as leis e regulamentos: Penas – de prisão celular por um a seis meses e multa de 100$ a 500$000.

Parágrafo único. Pelos abusos cometidos no exercício ilegal da medicina em geral, os seus autores sofrerão, além das penas estabelecidas, as que forem impostas aos crimes a que derem causa.

Art. 157. Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancias para despertar sentimentos de ódio ou amor, inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim, para fascinar e subjugar a credulidade publica: Penas – de prisão celular por um a seis meses e multa de 100$ a 500$000.

  • 1º Se por influência, ou em consequência de qualquer destes meios, resultar ao paciente privação, ou alteração temporária ou permanente, das faculdades físicas: Penas – de prisão celular por um a seis anos e multa de 200$ a 500$000. § 2º Em igual pena, e mais na de privação do exercício da profissão por tempo igual ao da condenação, incorrerá o medico que diretamente praticar qualquer dos atos acima referidos, ou assumir a responsabilidade deles.

[4] MANDARINO, Ana Cristina de Souza. (Não) deu na primeira página: macumba, loucura e criminalidade. São Cristovão: UFS, 2007

[5] Localização do processo: TRF-SJRJ . Ano 1932. Caixa 19. Dossiê nº 03. Documento nº 22690

[6]  O Decreto nº 20.931, de 11/1/1932 regulava o exercício da medicina e de outras profissões

Art. 43.Os processos criminais previstos neste decreto terão lugar por denúncia da Procuradoria dos Feitos da Saúde Pública, na Justiça do Distrito Federal, ou por denúncia do orgão competente, nas justiças estaduais, mediante solicitações da Inspetoria de Fiscalização do Exercício da Medicina ou de qualquer outra autoridade competente.

[7]O 2º Suplente do Juiz Federal substituto Olyntho Nogueira, proferiu a “promoção final” de fls. 125/125v. dos referido processo, que aqui reproduzo em parte:

Não há prova nestes autos de que o denunciado tivesse recebido dinheiro pelos seus “passes” (…) Não pode existir o baixo espiritismo sem que também exista o alto espiritismo, o médio espiritismo. Qual é o alto ou baixo? Será que o espiritismo celebrado em mesas com taças de cristal, com bloco de papel pergaminho, em salão com franjões de ouro e frequentado pelos doutorzinhos – será o legal? O presente processo com cento e vinte e tantas folhas deu o que fazer a diversos juízes, a Promotor, Procurador, a médicos, peritos em macumbas, escrivães, oficiais, etc. demonstra que a incompetência de um delegado de polícia acarreta prejuízos de toda a ordem. Como delegado, ao receber a denuncia dessa natureza, mandava, as vezes um simples ultimatum e sanava-se a irregularidade. Infeliz do povo que tem uma polícia que procura reprimir em vez de sua única missão – a prevenção”.

[8] A sentença foi proferida  em 25 de março de 1933 (fls. 126/129), que aqui também reproduzo em parte:.

“(…)  À vista dos elementos de informação que os autos encerram, Maria de Souza ficou sendo a única pessoa a quem o denunciado teria atendido, mas acidentalmente e com o exclusivo intuito de “praticar a caridade”. Não consta de nenhuma das peças do processo, fosse ele o encarregado das praticas espiritistas no aludido centro de que era mero sócio, segundo alegou sem contradita. Nenhuma prova existe, de que o arguido houvesse passado receitas ou aconselhado verbalmente o uso de remédios. Os “passes” de que se falam, se bem não fizeram, também não fizeram mal. Portanto, não teria ocorrido na espécie vertente, nem mesmo a possibilidade de dano à saúde, oriundo de um paliativo imprudente, num caso de moléstia de natureza grave. Já se sabe, pelo que ficou dito, com apoio no exame de sanidade de fl. 20, que a mencionada doméstica não sofria de doença alguma. Não há, pois, como pretender e sustentar, que se cogite aqui, de falso exercício da medicina, nas condições previstas e punidas no citado artigo 156. Lembro certa vez o saudoso Ministro Viveiros de Castro, que não pratica esse crime, quem exerce um culto, quem não dá receitas, quem visa curar por meio de elementos imateriais , quem dá conselhos em obediência a uma crença. Na opinião do emérito magistrado, não se pode acusar de infrator a quem cultua uma seita (jornal do Comércio, de 28-X-1923).Admita-se, todavia, que assim não seja realmente. No caso em exame, o incriminado exercício da medicina, obedecia às normas e práticas esquisitas. O ato tido como delituoso, foi por isso capitulado, como se lê na promoção final “no art, 156 com referencia ao artigo 157”. Isso implica o reconhecimento da conexão ou dependência, entre um e outro fato. Mas pela segunda das supraditas infrações, não é possível prosseguir na acusação, em face do Decreto nº 21.946, de 12 de outubro de 1932, que concedeu indulto a certos delinquentes, já condenados ou ainda respondendo a processo, pelos crimes particularizados no art. 1º , entre os quais se inclui o previsto no questionado artigo 157. O arguido, que responde agora processo pela primeira vez, acha-se nas condições supostas no art. 3º daquele decreto. Tem ele residência conhecida e atestada, por parte da autoridade policial da circunscrição respectiva. O seu bom procedimento é de inferir das informações oficiais de fls. 26, pois nada consta que o desabone nos arquivos e registros do Gabinete de Identificação e Estatística Criminal deste Distrito. A respeito existe também o atentado de fls. 9, fornecido pelo proprietário do estabelecimento comercial, onde serve o acusado, “há bastante tempo, sendo sempre honesto, fiel cumpridor de seus deveres, exemplar chefe de família, não tendo vícios”. Extinta por essa forma a ação penal, concernentemente ao delito do artigo 157, causa ou meio de perpetração do outro delito, fica este ultimo absorvido pelo primeiro, para os efeitos da aplicação do mencionado decreto. Dado que assim não acontecesse, seria de confirmar a conclusão do despacho recorrido, o que ora faço ante as razões expostas no correr da presente decisão. Façam-se as devidas intimações

 

[9] SADEK, Maria Tereza. Org. In Uma Introdução ao Estudo da Justiça. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2010, p. 70-71.

[10] Jornal do Comércio de 27/4/1932, p. 9

[11] Fonte: http://www.stf.jus.br

[12] Fonte : Jornal O Paiz (RJ) de 30/9/1918

[13] Fonte: Jornal O Imparcial (RJ), 15/12/1919

[14] Fonte: Jornal Beira Mar, 21/12/1924, p.4

[15] Fonte: BRASIL, Relatório apresentado ao Presidente da República pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores, Dr. Affonso Pena Junior – correspondente ao ano de 1924, RJ: Imprensa Nacional, 1926.

[16] Jornal Gazeta de Notícias (RJ), de 23/3/1938; Jornal A Batalha  (RJ), 23/3/1938, p.2.

[17] Fonte: Jornal Gazeta de Notícias, 25/4/1939, p. 12

[18] Fonte: Correiro da manhã, 12/02/1941, p.5

[19] Fontes : Jornal A Manha (RJ), 5/9/1942, p.4; Fonte : Jornal A Manha(RJ), 5/2/1949

[20] Fonte: Jornal A Manhã (RJ), 6/4/1952, p.1

[21] <www.direitouerj.org.br>

[22] Fonte Almanack Laemmert,

[23] Fonte : Jornal A Federação : Orgam do Partido Republicano. 27 de junho de 1908, p. 1

[24] Fontes: jornal O Paiz (RJ) 6/10/1909, p.3; BRASIL. Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo Ministro de Estado da Viação e Obras Públicas, Francisco Sá. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, p. 567, 1910.

[25]  Fonte: Jornal Gazeta Jurídica ,12/7/1923, p. 7

[26] Fonte: Jornal do Comercio . 20/10/1923, p. 3

[27] Fonte Almanack Laemmert . Ano 1924, p. 676

[28] Fontes: Jornal do Comercio de 1/11/1928, p. 5; 2/11/1928, p. 4, 28/10/1928, p. 9

[29]  Fontes: Jornal do Comércio, 19/11/1929, p.8.

[30] Fonte: Jornal A Batalha (RJ) de 11.2.1931, p.3; Jornal República (SC), de 12/6/1931, p.6.

[31]  Fonte: Jornal A manhã (RJ), 31/12/1946, p. 3.

[32] Fonte : Jornal Amanha(RJ), 1/4/1951, pg.3.

[33] Fonte: <http://docplayer.com.br/14578064-Museu-e-arquivo-dos-advogados-brasileiros-catalogo.html>.

[34]  Fonte : <https://vejario.abril.com.br/cidades/eleicao-presidente-oab-rio/>.

[35] Fonte : Jornal Correiro da Manhã, 13/12/1938, p.7, Jornal O Paiz(RJ), de 23/01/1915, p.3.

[36] Fontes: Almanack Laemmert, ano 1922, vol. I, p. 1687.

[37] Fontes : Jornal do Brasil, 25/10/1924 p.8, Jornal do Brasil, 29/10/1926, p.10.

[38] Fontes Jornal do Comercio, 20/6/1931.

[39]  Fontes: Jornal do Comercio, 30/06/1930, p.4; Jornal Correio da Manha, 01/07/1930.

[40]  Fonte: Jornal A Batalha (RJ), 29/11/1030, p.2.

[41] Fonte Jornal A Baratlha(RJ), 10/2/1931, p.3, Jornal de Recife, 26/2/1931, p. 4.

[42] Fonte: Diario de Notícias, 29/11/1931, p.1.

[43] Fonte: Jornal do Comercio de 25 e 26/02/1935; Jornal Correiro da Manha, 3/3/1935, p.13.

[44] Decreto 16.300, de 21/12/1932, art. 52.

[45] Fonte: Jornal do Comércio de 7/02/1932, p.4.

[46] Fonte: Jornal do Comércio de 15/12/1932, p.8.

[47] Fonte: Jornal do Comercio de 7/11/1937, p.11 e 19/12/1937, p.10.

[48] Fonte jornal O Paiz (RJ), 17/04/1920, p. 10.

[49]  Fonte : Jornal do Comércio, 29/08/1935.

[50] Fonte : Jornal A noite, 24/06/1936.

[51]  Fonte Jornal do Comércio, 8/12/1937, pg. 3.

[52] Fonte : Jornal do Comércio, 15/03/1940, p.6 e de 05/05/1940, p. 6.

[53] Fonte : Diário de Notícias, 29/11/1952, p. 6.

[54]  Fonte: Jornal Gazeta de Notícias, 11/12/1911, p.2;  Jornal O Paiz (RJ), 19/11/1921, p. 3.

[55] Fonte Jornal do Comércio, 24/07/1923, p.4, O Jornal (RJ), 17/11/1922, p. 2; Jornal O Paiz (RJ), 17/11/1922, p.4; Jornal O Imparcial (RJ), 1º/11/1923, p.2.

[56]  Fonte: Jornal O Paiz (RJ), 20/11/1924, p. 9

[57]  Fonte : Jornal A Batalha (RJ), 28/11/1937, p.2.

[58] Fonte: Jornal A Batalha (RJ), 13/11/1938, p.1- Entre as autoridades que também prestaram homenagens a Fernando de Faria Junior estavam: o Ministro Cunha Melo, o Procurador Geral da República Gabriel Passos, o presidente do Tribunal de Apelação, os presidentes da OAB e do IAB, dos juízes das Varas dos Feitos da Fazenda Pública, Ribas Carneiro e Edmundo Ludolf e outros

[59] Fonte : Jornal A Manhã (RJ), 22/04/1944, p.4