CAIJF promove palestras visando à ressocialização e reintegração de apenados do Sistema Penitenciário do RJ

Publicado em 03/07/2017

Em um ano que começou marcado por chacinas em prisões dos estados do Amazonas e de Roraima e que trouxe à tona, inclusive na mídia internacional, a grave crise por que passa o sistema prisional brasileiro, o Centro de Atendimento Itinerante da Justiça Federal da 2ª Região (CAIJF), em parceria com a 9ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro (9ª VFC), iniciou um programa de ações focado na ressocialização e reintegração de apenados.

Na manhã do último sábado, 1º de julho, o juiz federal Vladimir Vitovsky, titular da 9ª Vara Federal de Execução Fiscal da capital fluminense e supervisor do CAIJF, e a juíza substituta da 9ª VFC, Débora Valle de Brito, realizaram ações educativas para 60 apenados do Patronato Magarinos Torres, no Complexo Penal de Benfica, no Rio. De forma didática, eles traçaram um perfil da função e estrutura da Justiça Federal, percorrendo das atribuições dos poderes da República às competências jurisdicionais de cada instância judiciária.

O Patronato, que vem sendo dirigido há oito anos pela assistente social Mariângela Pavão, é um órgão do Poder Executivo estadual pertencente à Subsecretaria Adjunta de Tratamento Penitenciário que incumbe-se, conforme determinado pela Lei de Execução Penal, do acompanhamento de quem está em livramento condicional, prisão albergue domiciliar (monitorada ou não), sursis, e também de algumas penas alternativas, tais como limitação de final de semana (pena que é transformada em horas e implica no apenado passar cinco horas em cada um desses dois dias, no Patronato, em atividades educacionais e culturais. O cumprimento deste tipo de pena pode chegar a até quatro anos) e prestação de serviços à comunidade. O acompanhamento refere-se a condenados tanto do sexo masculino como do feminino.

 

Mariângela Pavão, Débora Valle de Britto e Vladimir Vitovsky desenvolvem ação pedagógica no Patronato Magarinos Torres
Mariângela Pavão, Débora Valle de Britto e Vladimir Vitovsky desenvolvem ação pedagógica no Patronato Magarinos Torres

 

Ao traçar um perfil das complexidades decorrentes das condições de vida das mais de 10 mil pessoas em todo o Estado que cumprem penas hoje sob a responsabilidade do Patronato – que ainda conta com os complexos de Campos dos Goytacazes e Volta Redonda, além do de Benfica – Mariângela Pavão, diretora responsável pelas três unidades, lembrou que os maiores desafios referem-se ao desenvolvimento das atividades reflexivas junto a essas pessoas, pois, comumente, tiveram pouca ou nenhuma conivência com atividades intelectuais.

“Para muitos, é como se a vida fosse automática. Eles não fazem projeções, vão vivendo um dia de cada vez. Vão vivendo a vida de acordo com as necessidades de cada dia. Ao acordarem se perguntam se podem ir trabalhar (quando estão empregados) ou se estão sem comida em casa e terão que faltar o trabalho para fazerem um bico e comprarem a comida para mais aquele dia. Então vão resolvendo a vida conforme as dificuldades vão aparecendo. Isso lhes trás uma insegurança de vida muito grande, pois, sem planejamento, nunca sabem como poderá ser o dia de amanhã”, destacou.

Em seguida, ela lembrou que, no outro extremo, está o sonho de que tudo se realize de forma imediata. “Eles não conseguem perceber a necessidade de construir esse amanhã, plantando hoje para depois colher. Muitos deles querem colher os frutos sem que haja o esforço e o tempo da plantação”, alertou.

Mariângela explicou aos apenados que a Justiça Federal determina que a prestação de serviços seja em 8 horas semanais, enquanto que a Justiça Estadual fixa essa prestação em 7 horas semanais.

No entanto, segundo a assistente social, mesmo tendo alguma flexibilidade na forma como irão organizar o cumprimento de suas horas, os condenados às penas alternativas costumam se sentir mais prejudicados do que os que foram condenados à pena de cadeia, pois entendem que já trabalham a semana toda, portanto, “porque ainda teriam que trabalhar em seus dias de folga?”, explicou.

Mariângela, que já é assistente social do estado há 24 anos e há muito tempo trabalha em estabelecimentos prisionais, ressaltou que os apenados “não conseguem compreender que foi justamente por trabalharem e terem bom comportamento que conseguiram esse benefício e não ficaram presos”.

A pena de limitação de final de semana só pode ser cumprida no Patronato, mas a prestação de serviços é realizada também em outras instituições do poder público. Entretanto os condenados com prestação de serviço que incidiram em crimes sexuais, normalmente, são encaminhados diretamente para o Patronato.

Isso se dá, pois instituições beneficiadas com o trabalho gratuito dos apenados, por conta dos estigmas que esses apenados carregam, poderiam não saber lidar com esse tipo de transgressor e isto poderia gerar problemas para a comunidade.

Segundo Mariângela, uma das maiores barreiras encontradas na ressocialização são os estigmas e os preconceitos. “Alguns egressos da vida prisional, mesmo depois de terem cumprido pena, terão que lidar com o alto nível de reações sociais negativas em virtude do crime que cometeram, como acontece com a pedofilia e o estupro, que não são tolerados pelos próprios presidiários. A imprescritibilidade do crime de estupro deverá, inclusive, ser votada amanhã (4/7), em segundo turno (PEC 64/2016), pelo Senado Federal”, lembrou.

A diretora do Patronato enfatizou, no entanto, “que não podemos sair odiando todos os praticantes de transgressões porque quase todos nós também transgredimos em alguns momentos de nossas vidas, deixando de pagar uma multa, colando em uma prova, etc”.

Entretanto, continuou, “sempre achamos que nossas ações são inocentes, que os ilícitos dos outros são sempre mais passíveis de punição. Temos também imensa dificuldade para aceitar o arrependimento de quem pratica um crime, mesmo depois de já terem pagado penalmente por ele. Os efeitos psicológicos decorrentes dessas rotulações que fazemos podem ser extremamente nocivos para os egressos da vida penal que, por sempre se sentirem marginalizados e excluídos da sociedade, podem acabar vendo como única saída a carreira criminosa”, lembrou.

Mariângela também discorda dos números que vem sendo apresentados na mídia, indicando que 60% dos egressos do cárcere retornam a ele por reincidência no crime. Segundo estatísticas desenvolvidas pelo Patronato, menos de 15% de toda a população submetida ao Órgão descumprem o cumprimento de suas penalidades.

“É até possível que uma pessoa cumprindo pena no Patronato possa vir a ter uma ligação paralela com a criminalidade, mas isto representa um risco muito alto para o apenado, pois ele está submetido a uma instituição coercitiva, o que pode trazer-lhe sérias complicações. No Patronato, com todas as nossas dificuldades de infra estrutura, a grande maioria passa a perceber que é melhor seguir o caminho da legalidade”.

Atualmente a instituição conta com apenas três psicólogos e dois assistentes sociais, em Benfica, uma psicóloga, em Volta Redonda e uma assistente social, em Campos. Ao todo, contando com Mariângela, são 8 técnicos para o universo de 10 mil indivíduos sob a responsabilidade do órgão.

Em seguida, falando sobre a situação atual do Patronato, a diretora informou que a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária conseguiu uma verba do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) pra a criação de um espaço específico, que será a primeira Central para Penas Alternativas do Rio de Janeiro, para atender especificamente aos beneficiados com tais penalidades.

O Espaço funcionará no Complexo da Frei Caneca, mas sua instalação ainda depende da arrecadação de contrapartidas, porque o Estado não tem recursos para arcar com a parte dele. Para superar essas dificuldades orçamentárias está sendo articulado um convênio (acordo de cooperação técnica) com a Procuradoria Regional Federal para que parte da arrecadação com as multas da operação Lava-Jato possam se reverter para o projeto. Assim, parte dos recursos arrecadados pela Justiça Federal seria então depositada em uma conta conjunta do Estado com o DEPEN.

Mariângela destacou no encontro, que “o projeto é muito interessante porque não visa acompanhar apenas quem já está condenado em pena alternativa, mas, também, aqueles que foram indiciados por algum crime e estão em cadeias, em prisão preventiva, aguardando julgamentos, os quais muitas vezes resultam em sentenças que os condenarão apenas a penas alternativas”.

Desta forma – continuou -, “nós, enquanto contribuintes, estamos pagando por esse preso, que é colocado em pena provisória em uma cadeia”. Segundo a diretora do Patronato, o contingente de presos provisórios já chega a 42% dos 52 mil presos que formam a população carcerária do Estado do RJ.

Ao final da ação pedagógica desenvolvida pelos juízes federais Vladimir Vitovsky e Débora Valle de Brito, o servidor da Seção Judiciária do Rio de Janeiro (SJRJ), Rodolfo Cavalcante, realizou uma pequena atividade cultural, permitindo que todos escolhessem aleatoriamente um poema para apreciação e reflexão. Dando continuidade ao projeto, o CAIJF programou para o próximo dia 15 de julho novas atividades junto ao Patronato, a fim de orientar os apenados sobre as maneiras de se fazer jus ou recorrer, administrativamente, a benefícios previdenciários concedidos pelo Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS).

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