Seminário Seguridade Social: Reforma da Previdência em debate

Publicado em 02/06/2017

O Centro de Atendimento Itinerante da Justiça Federal (CAIJF), órgão que atua junto ao Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Soluções de Conflitos (NPSC2) do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), organizou – em parceria com o Primeiro Atendimento dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro (SJRJ) – o seminário “Seguridade social: os desafios do Judiciário e entidades afins” que aconteceu nos dias 17, 24 e 31 de maio, abordando, respectivamente, os temas Assistência Social, Saúde e Previdência.

O seminário, que foi realizado no Centro Cultural Justiça Federal (CCJF), reuniu grandes nomes do Serviço Social, Saúde, Administração Pública, Economia e Direito e foi franqueado ao público em geral. Cada palestrante apresentou seu painel e, ao final das apresentações, o debate foi aberto ao público, que pôde levantar questionamentos e esclarecer dúvidas.

Reforma da Previdência: questões relevantes

Abrindo a programação do terceiro dia do seminário, o advogado, professor de Direito Financeiro da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e responsável pelo programa de Direito Previdenciário da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj), Fábio Zambitte, abordando o tema – para uma plateia lotada de servidores, estudantes e cidadãos – lembrou que uma das principais questões do debate previdenciário hoje é se o nosso sistema de Previdência Social é deficitário ou não. Segundo o palestrante, “diante de alguns debates técnicos, com dados numéricos tão elaborados, fica realmente difícil para muitos assumirem uma posição de certezas”.

Apesar de se colocar como um agnóstico, diante da decisão de aderir ou não às crenças de que a Previdência seja deficitária ou não, ele destacou que seria possível até dizer que toda a Seguridade, em tese, é superavitária, se somadas toda a receita e toda a despesa. “Dependendo das premissas que se adote seria até defensável, diante do modelo hoje adotado, que ela é superavitária”. Entretanto, Zambitte destacou que essa não seria a discussão mais relevante. Para ele o mais importante seria atentar para as chamadas variações demográficas: “Se há um superavit ele deverá ser trilionário, pois vive-se uma questão atípica de inversão da pirâmide demográfica”, explicou.

Pirâmide Etária e necessidade de reforma

Zambitte lembrou que o Brasil é um pais que envelhece rapidamente e vivencia uma retração severa da natalidade. “Hoje, a mulher brasileira tem, em média, menos de dois filhos. Há 30 anos atrás, as mulheres tinham em média 6 filhos. Em razão disso, o modelo previdenciário, naturalmente, ficará mais caro”, explicou. Fábio Zambitte também lembrou que o nosso país tem hoje, 10 trabalhadores ativos para um inativo. “Daqui a poucas décadas, teremos 2 trabalhadores ativos para um inativo. E aí vamos fazer o que? Esperar chegar esse momento para fazermos então a reforma? Se assim fizermos, estaremos fazendo algo similar ao que aconteceu no estado do Rio de Janeiro, esperar quebrar para se tentar fazer alguma coisa”, ponderou.

Em seguida, Fábio Zambitte defendeu a necessidade de se criar um consenso de que a reforma previdenciária precisa ser feita o mais rápido possível. Além disso, afirmou que uma outra questão relevante a ser considerada diz respeito aos cuidados que se deve ter na maneira como a reforma deve ser conduzida. “Para tal, há que se reconhecer alguns erros do passado, quando o modelo previdenciário fez promessas que não poderão mais ser cumpridas. Há benefícios que não conseguirão ser realmente cumpridos se nada for feito”, alertou. No entanto – continuou -, “não podemos cobrar da geração atual ativa o pagamento dessa conta, fruto da irresponsabilidade pretérita. Temos que fazer as pazes com o passado, por um lado, e não sairmos, por outro, rotulando o aposentado de hoje como um privilegiado, um subversor do sistema, pois ele apenas seguiu as regras do jogo, aquela meta prometida lá atrás”, afirmou.

Serviço Público, tempos de contribuição e de trabalho e desconstitucionalização

O professor acentuou ainda que o servidor público é o que “sempre mais sofre como bode expiatório nessa discussão”. Para Fábio, “de fato eles vinham tendo um modelo protetivo diferenciado, só que, agora, não é possível passá-los, de uma hora pra outra, do regime não contributivo para o modelo contributivo sem que haja um custo de transmissão e esse custo deverá ser de toda sociedade”, destacou.

Zambitte defendeu ainda o fim da aposentadoria por tempo de contribuição, devendo valer apenas o requisito da aposentadoria por tempo de serviço. O professor defendeu ainda que haja boas gestões do meio ambiente de trabalho: “É necessário que realmente se invista no ambiente laboral para que o empregador possa gozar de condições de trabalho mais adequadas, para que possa ter condições de realizar toda a sua trajetória produtiva com saúde e dignidade, fato que não existe no Brasil hoje em dia, o que contribui para que hajam distorções e críticas quando se aventa a possibilidade de um aumento do tempo de serviço, como se isso representasse um castigo físico para o trabalhador”, frisou.

Encerrando sua exposição, Fábio Zambitte, defendeu a chamada desconstitucionalização da matéria previdenciária. “Não estou dizendo para tirarmos a Seguridade Social da nossa Constituição, mas há que se reconhecer que há regras em excesso em nossa constituição, pois ela prevê idades mínimas para aposentadoria e até como se calcular remuneração natalina de aposentado e pensionista, dados esses, que sempre são alterados, naturalmente, ao longo do tempo”, encerrou.

Em seguida, o juiz federal titular da 31ª Vara Federal Previdenciária da SJRJ e professor de Direito Previdenciário da Uerj, Marcelo Leonardo Tavares, iniciou sua palestra, lembrando que o projeto de reforma que compõe a emenda substitutiva que transita no Legislativo ainda passará por muitas alterações, tanto na Câmara dos Deputados, como no Senado. Segundo ele, a própria crise política atual pode interferir no andamento da referida emenda.

Perversidades da Reforma e projeções futuras

Após abordar a proposta inicial da reforma previdenciária, o magistrado ressaltou que “uma das mudanças mais perversas da proposta de emenda constitucional é a vedação de acúmulo de pensão por morte, pois os beneficiários que venham a ter o direito de requerer mais de uma pensão por morte, terão que optar pelo benefício que for mais vantajoso”. Segundo ele, a regra não se estenderá a quem já vem recebendo os benefícios dessa forma, valerá apenas para mortes que acontecerem depois que a reforma for promulgada, mas, para o magistrado, “isso representará uma diminuição de renda familiar muito grande. Basta imaginar um servidor que acumule dois cargos públicos, e que o cônjuge não trabalhe, e que em um dos empregos ele receba uma remuneração de 10 mil reais e no outro o mesmo valor, ou seja a família vive com 20 mil reais de renda por mês. Assim se prevalecer essa regra, caso o servidor venha a falecer a família terá uma redução de renda de 20 mil para seis mil reais, porque a remuneração de 10 mil sofrerá tantos cortes percentuais que chegará próximo de 6 mil reais. Então essa família terá uma redução de 14 mil reais, uma queda absurda de padrão de vida”, destacou.

Já com relação ao aumento da expectativa de vida, um dos fatores impulsionadores da proposta de reforma, Marcelo Tavares citou que, se na década de 1980 a expectativa de continuidade de vida para quem alcançava 65 anos, era de mais 13 anos, hoje, é de mais 18,4 anos. O magistrado também demonstrou em sua exposição que a faixa etária média nas aposentadorias por tempo de serviço está em 60,8 anos e na aposentadoria por tempo de contribuição está em 54,8 anos. O professor também se posicionou contra a aposentadoria por tempo de contribuição.

Marcelo Tavares, baseado em dados das pirâmides etárias da população brasileira para as décadas futuras, até 2060, afirmou que a realização de uma reforma previdenciária, será, de fato, inevitável. “A questão, no entanto, é como juridicamente se fará a reforma”, destacou.

A diferença de tratamento para as mulheres

Quanto à diferença de tratamento entre homens e mulheres, no tocante a aposentadoria, o magistrado lembrou que a contribuição dos homens é realmente maior. “Isso justificou, na Câmara de Deputados, a diferença de tratamento para as mulheres”. Ele mencionou também a discussão que houve sobre o trabalho da mulher, que não deveria ser apenas computado como um trabalho industrial ou comercial, mas também o de levar o apoio à família. “O trabalho da mulher acabou sendo compreendido dentro do seu valor total para a sociedade”, frisou.

Marcelo Tavares lembrou ainda que as mulheres de hoje tem uma expectativa de vida maior do que os homens. “Analisando a tábua de mortalidade, quando o brasileiro nasce, essa diferença é de aproximadamente 7 anos. Já quando se atinge a idade de 65 anos, a diferença cai para 3 anos. Essa foi a diferença que acabou prevalecendo na Câmara de Deputados. Então, a regra geral colocou como limite etário mínimo, 65 anos para aposentadoria dos homens e 62 para as mulheres”, destacou. Como aspecto compensatório por viver mais – continuou -, “considerou-se que ela teria maiores encargos em casa e maiores dificuldades de inserção no mercado de trabalho”.

Segundo o professor, a mulher teria maior dificuldade também de computar o tempo de carência necessário para uma aposentadoria, maior dificuldade de ingresso no mercado de trabalho e de se manter nesse mercado. “A estatística demonstra que o valor da remuneração do trabalho feminino é menor do que o do homem. Isso é, no entanto, atenuado no serviço público”, lembrou.

Por fim, Marcelo Tavares é da opinião de que, no serviço público, talvez já fosse o caso de igualar a regra de aposentadoria entre homens e mulheres. “As mulheres no serviço público, por lei, ganham a mesma coisa que os homens e elas tem conseguido ser alçadas a cargos de chefia e direção em igualdade com os homens. “Então essa discriminação com a mulher, que é uma realidade no mercado de trabalho privado, acaba não se refletindo no setor público, mas estou de acordo com a redução da diferença protetiva na faixa de 3 anos para a mulher, em relação ao homem, na iniciativa privada”, encerrou.

Encerrando a programação do seminário, o professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (Ebape/FGV), que assessorou na reforma previdenciária de Cabo Verde e no sistema previdenciário do Uruguai, Kaisô Iwakami Beltrão, iniciou sua apresentação defendendo a necessidade de se fazer logo uma reforma previdenciária. “Analisando a pirâmide previdenciária brasileira, podemos perceber que, ao mesmo tempo em que o topo (os beneficiários em potencial) vai aumentando, a base (os contribuintes) vai diminuindo”, afirmou. Além disso – continuou -, “a população de idosos está crescendo em uma taxa maior que a de todos os outros grupos. Em suma, embora a população de idade ativa tenha registrado um aumento, isso não se compara ao aumento que teve a população idosa”, destacou.

População economicamente ativa e contribuição previdenciária

Kaisô Iwakami explicou que existe uma diferença entre a população economicamente ativa e a população de contribuintes. “Temos um mercado informal que é razoavelmente grande, então quando eu falo da Previdência eu falo da diferença entre o pessoal que está trabalhando e o pessoal que está contribuindo. Analisando a razão entre contribuintes e beneficiários, percebemos que, no começo do sistema, nos anos de 1930, se tinha cerca de 30 pessoas contribuindo para cada beneficiário. Com o tempo, isso foi diminuindo. A tendência é que, no futuro, teremos algo como menos de dois contribuintes para cada beneficiário se as regras atuais se mantiverem. Daí, a necessidade de uma reforma”, defendeu.

Em seguida, o professor traçou um panorama para mostrar como o sistema conseguiu funcionar ao longo dos anos sem entrar em colapso. “Parte do funcionamento do sistema ocorreu graças ao aumento da chamada alíquota de contribuição. Quando o sistema entrou em vigor, o empregador pagava 3% e o empregado também pagava 3%, totalizando 6%. Só que agora estamos pagando cinco vezes mais. Como era um sistema de repartição, na prática está se gastando mais e, em decorrência, se cobrando mais”, explicou.  Na prática – continuou -, “nós fomos de 6% para mais de 30%, mas parte disso, cai na contribuição do empregador, o que é menos perceptível para a população. O empregador paga uns 22%. Só que, na verdade, acho difícil que ele tire isso do lucro dele. Então isso será passado para o preço. Ou seja, quem paga é quem está consumindo”, alertou. “No final, todo mundo paga esse preço da Previdência”.

Ainda, para o professor, outra coisa que permitiu a continuidade do funcionamento do sistema foi o chamado imposto inflacionário. “Em períodos de alta inflação, os benefícios eram corrigidos uma vez por ano e em alguns períodos em até duas vezes por ano. No período que tínhamos 80% de inflação no mês dava para ver que o benefício era corroído de forma importante. Então, parte da viabilidade do sistema estava ligada a essa forma perversa que é o imposto inflacionário”, lembrou. O sistema – continuou – “também teve uma sobrevida graças às variações do teto de contribuição ao longo dos anos no brasil”, ressaltou.

Por fim, para Kaisô Iwakami, ao analisar os dados previdenciários, pode-se perceber que, entre 2002 e 2014, a quantidade de beneficiários da Previdência Social quase dobrou. “O que podemos supor é que, se continuarem as regras atuais, a tendência de crescimento continuará. Se em 2002, tínhamos algo em torno de 10% da população recebendo algum benefício, sem algum tipo de reforma, a tendência é de que em 2050, tenhamos mais de 30% da população recebendo algum benefício, o que torna o sistema atual insustentável a longo prazo”, encerrou.

 

A partir da esquerda: Vladimir Vitovsky (Juiz federal supervisor do CAIJF), Aline Miranda (Juíza federal convocada em auxílio ao NPSC2), Kaisô Iwakami Beltrão, Fábio Zambite e Marcelo Tavares
A partir da esquerda: Vladimir Vitovsky (Juiz federal supervisor do CAIJF), Aline Miranda (Juíza federal convocada em auxílio ao NPSC2), e os palestrantes Kaisô Iwakami Beltrão, Fábio Zambitte e Marcelo Tavares

 

O público, àvido por fazer perguntas aos palestrantes, lotou as dependências do CCJF
O público, àvido por fazer perguntas aos palestrantes, lotou as dependências do CCJF
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