TRF2 institui comissão organizadora de evento que debaterá titulação de terras quilombolas

Publicado em 23/07/2018

O presidente do TRF2, desembargador federal André Fontes, assinou na quinta-feira, 19 de julho, a Portaria nº TRF2-PTP-2018/00471, instituindo a comissão organizadora do evento “Quilombolas: aspectos políticos, jurídicos e políticas públicas inclusivas consequentes à edição do Decreto nº 4887-2003 e do julgamento da ADI nº 3239”. O encontro será realizado na sede da Corte, no centro do Rio de Janeiro, em novembro, e deverá reunir autoridades, juristas, pesquisadores das áreas de história e ciências sociais, estudantes e lideranças do movimento negro.

O objetivo é debater questões envolvendo as terras de comunidades formadas por descendentes de escravizados. Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), desde a edição do decreto, há quinze anos, 206 áreas quilombolas com cerca de 13 mil famílias foram regularizadas, mas aproximadamente 3,2 mil comunidades continuam sem título.

Para discutir o planejamento do evento, o presidente do TRF2 reuniu-se na Corte, no dia 16 de julho, com o advogado Humberto Adami, diretor do Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara) e membro da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil. O encontro também contou com a participação das professoras Martha Abreu, da Universidade Federal Fluminense (UFF), e Mônica Lima, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Ainda, estiveram presentes representantes de comunidades tradicionais, como o presidente do Conselho da Associação da Comunidade Remanescente do Quilombo da Pedra do Sal (Arquipedra), Damião Braga. O quilombo está localizado a poucos quarteirões do TRF2, na região conhecida como Pequena África, que se estende até os largos João da Baiana e São Francisco da Prainha, na Zona Portuária.

 

André Fontes (ao centro) sobre o evento: “Será uma expressão de respeito, uma dignificação das mulheres, homens e crianças desterradas para o Brasil e que perderam a vida, muitas vezes, ainda na travessia marítima, devido aos maus tratos, à fome, à sede e a doenças”

 

A Pedra do Sal integra o conjunto histórico e arqueológico que foi agraciado com o título de Patrimônio Cultural da Humanidade, em 2017, e do qual fazem parte também o Cais do Valongo e o Cemitério dos Pretos Novos. A titulação dos imóveis que compõem o quilombo é objeto de uma ação judicial, que tramita na Justiça Federal.

Palestras, cultura e arte

Além de palestras e debates, a programação do evento “Quilombolas: aspectos políticos, jurídicos e políticas públicas inclusivas” incluirá atividades artísticas e culturais e um ato ecumênico, com o objetivo de reunir sacerdotes de cultos de matriz africana e de outras religiões, para uma cerimônia de consagração do local onde se localiza a Corte: “Será uma expressão de respeito, uma dignificação das mulheres, homens e crianças desterradas para o Brasil e que perderam a vida, muitas vezes, ainda na travessia marítima, devido aos maus tratos, à fome, à sede e a doenças”, declarou André Fontes.

Escavações realizadas na região onde se encontra o edifício do TRF2, na década de 1990, revelaram ossadas de vítimas desse tipo de tráfico humano, inclusive no terreno onde foram construídos os dois anexos do Tribunal.

Durante a reunião, André Fontes explicou que a ideia é promover, por meio da manifestação religiosa, a aproximação simbólica de diferentes etnias. O presidente também destacou a importância de colocar em pauta a questão quilombola, em razão da atuação da Justiça Federal, onde tramitam as ações sobre a titularidade dessas terras: “É fundamental que se assuma o dever de reconhecer, em primeiro lugar, que há uma memória a ser resgatada, valorizada e preservada, considerando que no Judiciário desembocam os conflitos concernentes à identificação e reparação de direitos”, afirmou.

O desembargador ponderou que, sem a titulação das terras, as comunidades tradicionais sofrem com a falta de investimentos públicos e, ainda, acabam sendo alvos de conflitos sobre a ocupação das terras. Em maio de 2016, ele mesmo conduziu uma audiência pública, no curso da instrução de três processos de desapropriação de sua relatoria, cujos objetos tratam da regularização da propriedade dos territórios em que se encontram instaladas comunidades remanescentes do Quilombo de Santana (Município de Quatis – RJ). Em fevereiro de 2017, os pedidos foram julgados prejudicados pelo Órgão Especial do TRF2. A medida foi tomada em função do julgamento, pelo STF, da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239.

A decisão do Supremo reconheceu a constitucionalidade do Decreto nº 4887, de 2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, conforme previsto no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

 

Compartilhar: