TRF2 completa primeira semana do Curso de Mediação em Subtração Internacional de Crianças

Publicado em 21/09/2022

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) completou nesta terça-feira, 20/9, a primeira semana de programação do curso de Mediação em Subtração Internacional de Crianças, com duas aulas sobre “Ferramentas da mediação familiar” proferidas pela pesquisadora, autora e doutoranda em Sociologia e Direito Geovana Fernandes. A organização da ação de capacitação é assinada pelo Núcleo Permanente de Solução de Conflitos (NPSC2), por meio da Escola de Mediação da 2ª Região. O curso seguirá até o dia 13/10, com aulas bissemanais em formato híbrido – presenciais e por videoconferência – e participação de cerca de 50 alunos de todo o Brasil.

A abertura, no dia 13, foi realizada pelo vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), desembargador federal Guilherme Calmon, designado em agosto de 2021 pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, como coordenador dos juízes de ligação (enlace) brasileiros para a Convenção da Haia (Países Baixos) de 1980, sobre subtração de crianças. Também participaram do evento a juíza federal convocada em auxílio ao NPSC2, Aline Alves de Melo Miranda Araújo, e o cônsul britânico, Laurence Burrows.

Os juízes de ligação integram a Rede Internacional de Juízes da Haia e são nomeados pelas nações signatárias da convenção para facilitar a tramitação, entre os países, dos atos judiciais relativos ao tratado. O grupo é composto por seis desembargadores federais, sendo o corregedor regional da Justiça Federal da 2ª Região, desembargador federal Theophilo Antonio Miguel Filho, um dos cinco juízes de ligação adjuntos também nomeados pelo STF.

Parceria com o consulado britânico

Em sua fala, Guilherme Calmon ressaltou a importância do assunto para a sociedade, afirmação ratificada por Aline Miranda, que lembrou tratar-se do primeiro curso de especialização de iniciativa do NPSC2.

Em seguida, o cônsul Laurence Burrows externou seus agradecimentos pelo convite para integrar a mesa do evento, destacando que a subtração internacional de crianças é assunto de extremo interesse para o Reino Unido.  Para o cônsul, a parceria com o TRF2 deve ser fortalecida, já que, afirmou, esse tipo de iniciativa traz benefícios mútuos e permite uma atuação jurisdicional lastreada em conhecimentos aprofundados sobre o tema.

Em junho, Laurence Burrows e a vice-cônsul britânica, Patrícia Sartorio, reuniram-se com o vice-presidente da Corte e o corregedor regional para tratativas visando à programação, em cooperação com o TRF2, de cursos e ações de capacitação de juízes federais brasileiros atuantes em processos referentes ao sequestro internacional de menores.

Defesa dos métodos consensuais de solução de conflitos foi a tônica da palestra de abertura

A aula magna do curso coube ao desembargador federal Guilherme Calmon, que iniciou destacando  conceitos extraídos da interpretação do decreto nº 3.413, de 14 de abril de 2000. A norma internalizou no Direito brasileiro a Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças.

Dentre as ideias a serem consideradas, explicou o magistrado, está a de que a convenção concluída em 1980 na cidade da Haia “abraça a visão puerocêntrica [centrada na infância], encampando a cláusula geral e o princípio do melhor interesse da criança”. Nesse sentido, Guilherme Calmon observou a importância da mediação, por garantir a celeridade na solução dos litígios e ser mais econômica  para as partes e para o Estado.

Guilherme Calmon: melhor interesse da criança

O vice-presidente do TRF2 apresentou como exemplo o modelo de mediação adotado pelo Direito argentino, cujas principais características são a simultaneidade (processo judicial e mediação realizados simultaneamente, sem suspensão de prazos), flexibilidade e colaboração (atuação de maneira mais eficaz em cada caso) e disponibilidade em qualquer fase (mediação como medida disponível às partes em qualquer oportunidade processual, inclusive na fase de cumprimento da sentença e em todas as instâncias).

Guilherme Calmon prosseguiu lembrando que o estímulo à mediação e à conciliação reflete uma prioridade expressa no acordo internacional, ao incumbir as autoridades centrais designadas pelos Estados signatários de tomar medidas para facilitar a entrega voluntária da criança ou a solução amigável entre os genitores, prevenindo a ação judicial.

Concluindo, o magistrado defendeu a capacitação de profissionais na área judiciária e “o estabelecimento de  convênios e parcerias no âmbito do sistema protetivo da criança”. Em seguida, a palavra foi entregue ao representante para a América Latina e Caribe da Conferência da Haia sobre Direito Internacional Privado (HCCH, na sigla em inglês), Ignacio Goycoechea,  que proferir palestra intitulada “A experiência latino-americana de implantação da mediação em subtração internacional de crianças”, com a qual foi encerrado o primeiro dia do curso.

Convenção é norma internacional sobre direitos humanos

O segundo encontro da ação de capacitação, realizado na quinta-feira, 15, foi aberto com palestra do corregedor regional Theophilo Antonio Miguel Filho, que discorreu sobre a natureza jurídica do pacto firmado em 1980 e sobre as hipóteses de exceção impeditivas do retorno da criança à sua residência habitual.

Ele iniciou defendendo que o “desiderato maior da convenção não é outro senão a proteção da criança” e que o acordo internacional tem natureza jurídica múltipla, devendo ser entendido, em primeiro lugar, como um tratado internacional de direitos humanos, com caráter de norma supralegal. Diante disso, ponderou, havendo eventual conflito entre o seu texto e lei ordinária, o conflito deverá ser solucionado em favor da aplicação da convenção.

Em seu raciocínio, o desembargador estabeleceu analogia com o precedente julgado pelo STF no recurso extraordinário nº 466.343-SP, em 2008, quando foi discutido o cabimento de prisão de depositário infiel, prevista no Direito brasileiro. Para a Corte constitucional, explicou Theophilo Miguel, não é possível a prisão nessa hipótese, à luz do Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que rejeita a detenção por dívidas.

O palestrante prosseguiu chamando atenção para o destaque dado pela Convenção da Haia à cooperação internacional, que deve ser promovida por meio das autoridades centrais. Para ele, essa “interlocução internacional é importantíssima e deve se efetivar de forma célere e ampla, como preceitua o artigo sétimo do tratado”.

Theophilo Miguel defendeu cooperação rápida e ampla entre autoridades centrais

 

Risco de dano físico e psíquico é uma dos impeditivos para devolução da criança

Em seguida, o juiz de ligação adjunto falou sobre as “exceções substanciais ao retorno imediato da criança à residência habitual”. A maioria delas, disse, concentra-se no artigo 13, que, dentre outros motivos, isenta a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido de ordenar a devolução da criança quando ficar provado o risco grave de sofrer abusos físicos ou psíquicos ao retornar.

Nesse ponto, Theophilo Miguel defendeu o entendimento de que a avaliação sobre o risco pode ser extensiva à mãe que tenha subtraído a criança ainda em idade de amamentação, portanto dependente da presença materna, para fugir de agressões e privações físicas e psicológicas, inclusive, citou, aquelas relacionadas a práticas como a circuncisão feminina, em que há mutilação genital.

A conclusão da programação do dia 15 ficou a cargo da diretora executiva da organização não governamental Reunite, com sede em Leicester, no Reino Unido. A instituição é especializada no aconselhamento, informação e suporte em casos de movimentação de crianças entre fronteiras, atendendo a mais de oito mil chamadas por ano.]

Durante o curso, foram sorteados dois exemplares do livro Sequestro internacional de crianças – comentários à Convenção da Haia de 1980, doados por Guilherme Calmon, que assina a organização da obra com Carmem Tiburcio. Ao centro, a juíza federal Aline Miranda, que fez a entrega dos exemplares aos ganhadores
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