TRF2 nega habeas corpus para Glaidson Acácio e mais dois réus no processo que apura pirâmide financeira com Bitcoins

Publicado em 26/10/2021

A 2ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal – 2ª Região (TRF2) negou, por maioria, pedidos de habeas corpus de Glaidson Acácio dos Santos, dono da G.A.S. Consultoria e Tecnologia, de Felipe Silva Novais e de Michael de Souza Magno, acusados de captar recursos de terceiros em larga escala com oferta de investimentos em criptoativos, através de contratos de investimento coletivo sem registro junto à CVM. Nos termos da denúncia do Ministério Público Federal, já recebida pela primeira instância, os pacientes teriam cometido crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e integração a organização criminosa. Também estão sendo investigados supostos crimes contra a ordem tributária, evasão de divisas e de lavagem de dinheiro. A ação penal ainda está tramitando em primeiro grau de jurisdição.

Em suas alegações, as defesas sustentaram que as condutas imputadas seriam atípicas, ou seja, não se enquadrariam como crimes, já que as criptomoedas seriam um ativo digital emitido e negociado de modo descentralizado, sem necessidade de registro ou validação pela comissão de Valores Mobiliários (CVM) ou pelo Banco Central.

Também negaram a existência de um plano de fuga, como afirmado pelo magistrado que decretou a prisão preventiva, sustentando que já tinham uma viagem agendada antes da operação policial, para uma convenção e confraternização da G.A.S. na República Dominicana.

Em seu voto, o relator, desembargador federal Flávio Lucas destacou, no entanto, que há indícios suficientes da prática dos crimes não só na denúncia, mas também a partir do material colhido a partir de várias outras medidas cautelares sob reserva de jurisdição, como quebra de sigilo bancário, fiscal, interceptação telefônica e busca e apreensão, material que não foi submetido à avaliação da CVM nos processos administrativos instaurados

O desembargador refutou o argumento da atipicidade das condutas, considerando que os fatos envolvem a captação de poupança popular, por meio da oferta de contratos de investimento coletivo, cujas cláusulas se amoldariam às diretrizes de conceituação do artigo 2º, inciso 9 da Lei nº 6.385/76, e artigo 2º da Instrução CVM 296, de 18 de dezembro de 1998. O dinheiro captado, observou, era movimentado em contas de múltiplas pessoas físicas e jurídicas intermediárias que “serviam como um verdadeiro sistema paralelo de pagamentos de remunerações/rendimentos, circunstâncias, em tese, capazes de caracterizar crimes contra o sistema financeiro, e por conta disso, inviabilizando o reconhecimento de manifesta atipicidade, que é o que se poderia conhecer em sede de habeas corpus”.

O magistrado acrescentou que “havia uma adesão ao contrato de investimento coletivo e o suposto investimento para geração de rendimento mensal fixo, que ao ser oferecido publicamente para captação de poupança popular, exige registro e regulação seja qual for o objeto ofertado”.

O relator destacou ainda que o inquérito policial aponta indícios concretos de suposta prática de crimes de sonegação fiscal, evasão de divisas e lavagem de dinheiro e até mesmo aportes que teriam sido realizados por uma milícia do Rio de Janeiro, ressaltando o risco à ordem pública que a soltura dos réus geraria dada a facilidade de replicação dessas operações de movimentação de valores sem possibilidade de rastreamento eficaz.

O magistrado lembrou que a companheira de Glaidson, atualmente refugiada nos EUA, continuou movimentando valores que superaram um bilhão de reais em carteiras de criptomoedas, mesmo após a deflagração da operação policial: “Há elementos suficientes a indiciar a capacidade e propensão dos investigados persistirem operando e movimentando valores, atuando mesmo depois de já deflagrada a operação policial, respaldando o apontado risco de reiteração que induz a necessidade de resguardar a ordem pública”, escreveu.

Quanto ao risco de fuga, o desembargador Flávio Lucas entendeu que a possibilidade é real, já que os réus têm recursos e estrutura para se estabelecer fora do país, inclusive com a capacidade de fazer “movimentações financeiras expressivas e constantes que podem ser replicadas através de simples acesso à rede mundial de computadores dificultando sobremaneira o rastreio e contenção” e diante de tratativas para saírem do país, segundo verificado através de interceptação telefônica.

Em relação ao risco à instrução criminal, o voto destacou, dentre outros aspectos, que Michael Magno apagou registros de sua conta em aparelho celular antes das medidas de apreensão, enquanto Glaidson teve conversas captadas em interceptação telefônica em que orientava seguranças da G.A.S a conterem, com uso de força, profissionais da mídia que buscassem noticiar o esquema, determinando inclusive que tais profissionais tivessem seus aparelhos celulares confiscados e devassados para apagar registros considerados de interesse do paciente.

O desembargador federal Marcello Granado acompanhou integralmente o relator, salientando que a inexistência de contabilidade formal da GAS também indicaria inobservância às comunicações obrigatórias previstas na lei de lavagem de dinheiro, enquanto o desembargador federal William Douglas votou no sentido de conceder os HCs.

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