TRF2, OAB/RJ e Instituto Iara realizam seminário com líderes de Quilombos do Sudeste, Nordeste, Norte e Centro-Oeste

Publicado em 23/11/2018

O presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), desembargador federal André Fontes, abriu na manhã do dia 23 de novembro o evento “Quilombolas: aspectos políticos, jurídicos e políticas públicas inclusivas consequentes à edição do Decreto nº 4887-2003 e do julgamento da ADI nº 3239”. O encontro está sendo realizado até o final do dia na sede da Corte, no centro do Rio de Janeiro.

A abertura do evento foi marcada pela apresentação da cantora, instrumentista e cantora Zilá Vermelha, que executou o Hino Nacional Brasileiro no berimbau, com acompanhamento do percussionista Pedro Lima, ao pandeiro.

Em seguida, formou-se a mesa inaugural do evento, composta, além de André Fontes, pela presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Rita Cortez, pelo presidente das Comissões Nacional e Estadual da Verdade da Escravidão Negra no Brasil do Conselho Federal da OAB (CNVENB/CFOAB e CEVENB/OAB-RJ) e diretor do Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara), Humberto Adami, a presidente da Federação Nacional das Associações Quilombolas, Luiza Osório, e a griô (líder) do Quilombo de Santa Rita do Bracuí, no litoral sul-fluminense, Marilda de Souza.

Em sua fala, André Fontes destacou a importância da atuação de ONGs, escritores, músicos, pesquisadores, trabalhadores urbanos e camponeses que, ao longo da história brasileira, militaram pela causa da igualdade racial: “As vitórias pertencem a vocês. Nunca foram concessões, mas sim conquistas”, concluiu, dirigindo-se à plateia formada, na maioria, por representantes de entidades de defesa dos direitos quilombolas.

O presidente da Corte também afirmou sua expectativa de que o evento promovido no TRF2, em parceria com a OAB/RJ e o Iara, sirva para maior aproximação entre o Judiciário e a sociedade: “O Judiciário tradicionalmente é conservador. Devemos, no entanto, ter a esperança de estarmos dando um passo para a construção de uma futura ponte, que reconduza a instituição para o seio da sociedade, e que ela se comunique melhor com a população, cumprindo efetivamente o seu papel republicano e democrático”.

Zilá Vermelha e Pedro Lima executaram o Hino Nacional

Medalha Luís Gama

A advogada Rita Cortez endossou os votos do desembargador, acrescentando que o TRF2 tem se destacado pela realização de “eventos de qualidade, com conteúdo técnico e temático relevante e alinhado com o momento”. Para ela, o seminário “Quilombolas” se enquadra nesse perfil, principalmente por tratar de um assunto relacionado aos direitos humanos: “É importante, como muitos órgãos têm feito, levantar o tema dos trinta anos da Constituição de 1988, é claro, mas também é fundamental lembrar que estamos celebrando os setenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, sobretudo na nossa realidade atual. Nunca os direitos humanos foram tão desrespeitados neste país”, lamentou.

Na sequência, ela agraciou o presidente André Fontes e o colega Humberto Adami com a Medalha Luís Gama, desenhada para o IAB pelo arquiteto Oscar Niemeyer. A comenda, conferida desde 2009, homenageia o escritor, jornalista e rábula baiano Luís Gonzaga Pinto da Gama (1830 – 1882), reconhecido como patrono da luta contra a escravização negra no Brasil.

A fala seguinte foi a do advogado Humberto Adami, que lembrou haver entre três e cinco mil áreas quilombolas no Brasil, das quais apenas pouco mais de duzentas têm titulação do governo: “Quanto tempo mais teremos de esperar pela solução do problema nas outras quatro mil e oitocentas comunidades, que hoje estão esquecidas?”, questionou.

Em 2003, o Decreto nº 4.887 regulamentou o direito previsto no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). A norma garante a concessão da propriedade definitiva aos remanescentes dos quilombos que estejam ocupando terras demarcadas. Em fevereiro de 2018, o STF julgou a ADI nº 3239, declarando a constitucionalidade do Decreto nº 4.887/03.

Rita Cortez, André Fontes, Frederico Grechi, Humberto Adami e Luzia Rodrigues

Reparação de danos

Para Humberto Adami, agora cabe definir estratégias para exigir do Poder Público a efetivação dos direitos confirmados pela decisão do Supremo. Ele defendeu também a urgência de as representações de remanescentes de quilombos se reunirem para estabelecer o que ele chama de “dez direitos fundamentais dos quilombolas”. Por fim, ele declarou que é hora de exigir do governo uma reparação dos danos causados pela demora em cumprir a lei sobre demarcação de terras quilombolas: “As entidades de representação das comunidades devem se unir, deixando de lado posições ideológicas e partidárias conflitantes, para firmar uma agenda conjunta”, disse.

Após o advogado, coube à líder Marilda de Souza se dirigir aos presentes. Ela relatou a situação vivida no Quilombo Santa Rita do Bracuí, que desde 1879 luta para assegurar seu direito à propriedade deixada em testamento, naquele ano, pelo comendador José de Souza Breves. Político e fazendeiro, ele a destinara aos ex-escravizados que trabalhavam em suas terras.

Marilda de Souza contou que, desde então, as cento e trinta famílias de quilombolas do local tiveram de enfrentar a especulação imobiliária, que avançou, principalmente a partir da década de 1970, sobre o terreno legado por José Breves: “Tivemos uma audiência pública na Câmara Municipal de Angra dos Reis, para provar que a terra é nossa e que nós somos mesmo descendentes dos negros alforriados beneficiários do testamento”, narrou. Ela contou também que, inclusive, a comunidade acabou abrindo mão de parte da área do quilombo, para diminuir a resistência à sua reivindicação.

A última apresentação da mesa de abertura ficou a cargo da representante da Fenaq, Luzia Osório, que integra uma comunidade quilombola de Corumbá (MS), declarou seu “orgulho e gratidão pela oportunidade de falar em nome das organizações filiadas à entidade, em um evento tão importante, que dá voz ao nosso povo, nesta Corte federal de justiça”.

Marilda de Souza, Frederico Grechi, Flávia Ribeiro, Edelamare Melo e Humberto Adami

 

Palestras e espaço para intervenções

O seminário “Quilombolas: aspectos políticos, jurídicos e políticas públicas inclusivas consequentes à edição do Decreto nº 4887-2003 e do julgamento da ADI nº 3239” contou com a participação de representantes de doze quilombos dos estados do Rio de Janeiro, Bahia, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Paraíba, Pará, Maranhão e Alagoas, além da coordenadoria do Movimento Negro Unificado (MNU), com sede em São Paulo.

Logo após a mesa de abertura, teve lugar o primeiro painel do evento, sob a coordenação da secretária da Comissão da Verdade da Escravidão Negra da OAB/RJ, advogada Flávia Pinto Ribeiro. No painel, foram apresentadas as palestras da subprocuradora da Procuradoria Geral do Trabalho no Distrito Federal, Edelamare Melo, e do presidente da Comissão de Direito Agrário e Urbanismo do IAB, Frederico Price Grechi. Nessa etapa, também foi franqueada a palavra aos representantes dos quilombos que se inscreveram para subir ao púlpito.

Confira mais fotos do evento.

 

O professor Leonardo Vizeu (de paletó) falou sobre relações trabalhistas no Brasil após a sanção da Lei Áurea, em 1888, que extinguiu a escravidão

 

 

 

A professora Eliane Moreira da Universidade Federal do Pará – UFPA (quarta a partir da direita) palestrou sobre “Conflitos socioambientais territoriais e a consulta prévia como estratégia de defesa”

 

 

Apresentação musical de Marilda de Souza

 

 

Participantes do evento

 

 

O seminário, aberto ao público, foi transmitido na íntegra e ao vivo pelo canal do TRF2 no Youtube.

 

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