TRF2 rescinde sentença de 1985 que concedia usucapião em ilha de Paraty (RJ)

Publicado em 08/11/2022

Acompanhando o voto do desembargador federal Ricardo Perlingeiro, a 3ª Seção Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) decidiu, por unanimidade, rescindir sentença da Justiça Federal de Angra dos Reis que, em 1985, concedeu usucapião a duas famílias sobre uma área de 68,2 mil metros quadrados na Ilha do Araújo, em Paraty, no litoral sul fluminense.

A ação rescisória foi proposta pela União em 2014 e inicialmente negada pelo TRF2, por maioria. O governo federal então recorreu com base em voto divergente proferido no julgamento, obtendo a vitória na 3ª Seção Especializada. Em seus argumentos, a União afirmou ter havido violação ao artigo da Constituição Federal de 1967, que incluiu as ilhas oceânicas como bens da União, por meio da Emenda Constitucional nº 1, de 1969.

O pedido de usucapião fora ajuizado em 1974, sob a alegação de que os autores estariam na linha sucessória da posse mansa e pacífica das terras desde 1876, ou seja, desde a época do Império. Com isso, a defesa sustentou que o direito ao título teria se constituído antes da vigência da Constituição de 1967 e da Emenda nº 1/1969.

Além disso, os advogados sustentaram que o Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, já excluiria da propriedade da União “as ilhas situadas nos mares territoriais que, por qualquer título legítimo, pertencessem aos estados, municípios ou particulares”.

O desembargador que proferiu o voto condutor na 3ª Seção Especializada rebateu, no entanto, os argumentos da defesa dos autores, lembrando que a primeira Constituição da República, de 1891, já tratava das terras públicas, não reconhecendo a possibilidade de propriedade particular de ilhas no mar territorial ou não.

“Logo, em período anterior ao advento do Decreto-Lei nº 9.760 de 5/9/1946, os diplomas constitucionais e legais já conferiam especial proteção aos bens de domínio público, inclusive no que tange à propriedade das ilhas marítimas, disciplinando que, além da União, somente estados e municípios poderiam ser proprietários de ilhas marítimas”, explicou Ricardo Perlingeiro.

O magistrado também destacou que não ficou comprovada nos autos a cadeia de títulos legítimos de registro das terras em disputa, desde a transferência do bem público à posse do particular, como exigiria o Decreto-Lei de 1946.

Primeira lei sobre terras devolutas é do tempo do Império

O desembargador federal Ricardo Perlingeiro desenvolveu seu entendimento sobre o caso traçando um histórico das normas legais disciplinando o direito sobre as chamadas terras devolutas, ou seja, as terras públicas sem destinação, desde a edição da Lei nº 601, de 1850, a primeira a regulamentar a matéria.

De acordo com a lei da época do Império, as aquisições de terras poderiam ser efetuadas apenas por compra, revalidação de sesmarias [lotes distribuídos no período colonial pelo rei de Portugal], ou por concessão da coroa. Com a Proclamação da República, essas terras passaram ao domínio público, excluídas aquelas que já pertenciam a particulares.

Como preceito constitucional, a impossibilidade de os terrenos insulares se tornarem propriedade particular foi estabelecida na primeira carta da República, de 1891. Em 1932, o Decreto nº 22.250 reconheceu também o domínio público das ilhas marítimas, situação ratificada em 1938, pelo Decreto-Lei nº 710.

Na sequência, o Decreto-Lei nº 9.760/1946 preservou o domínio da União sobre as ilhas, embora excluindo as áreas que, por título legítimo, pertençam a estados, municípios e particulares. Esse reconhecimento foi confirmado na Constituição de 1967, por meio da Emenda nº 1, de 1969.

A mesma disposição foi mantida na Constituição de 1988, que, no artigo 20, inciso IV (quatro), estabelece como bens da União “as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal”.

Outra ressalva está estabelecida no artigo 26, inciso II (dois), que atribui aos estados a propriedade das “áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, municípios ou terceiros”.

Processo ação rescisória nº 0004338-34.2014.4.02.0000/RJ.

Leia as íntegras do acórdão, do relatório, dos votos e das notas taquigráficas do julgamento no link 0004338-34-2014-4-02-0000

A Ilha do Araújo é a segunda maior da baía de Paraty, com várias praias e mata atlântica preservada
Compartilhar: