Cada dia meu pensamento é diferente

por Maria do Carmo Rodrigues de Oliveira / 13 agosto 2014 / Sem comentários

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Cada dia meu pensamento é diferente. Rio de Janeiro: NAU Ed., 2013.

Latas Letras Luz
Este livro é pura magia, um “instantâneo” no caleidoscópio das visualidades possíveis.
Vivemos um tempo acelerado de reinvenções pautadas por invenções que vêm reconfigurando completamente o nosso cotidiano. Assim é, sobretudo, no terreno das visualidades. O que até há pouco tempo era tarefa de poucos, como a leitura plástica do mundo visível, hoje se universalizou em mais de um bilhão e meio de imagens por ano. A própria noção de autoria é repensada em termos mais amplos, já que, com as novas tecnologias, muitos intervêm até se chegar ao produto final. O diálogo exponencial patrocinado pelas mídias sócias certamente expandiu esse processo criativo e incentivou a formação dos chamados coletivos, grupos de fotógrafos que concebem interativamente suas obras e chegam , em casos extremos, a abrir mão da autoria individual .
Não só o olhar, mas também as práticas de leitura têm se reinventado à luz das novas tecnologias. A própria relação do texto, construído a partir de regras tão claras quanto complexas, com a imagem, cuja feitura é tão precisa quanto mágica, também foi a um só tempo se esgarçando e se imbricando no campo fértil das mídias sociais. Todo esse processo descortinou terrenos insuspeitados e acabou por conceber uma nova trama comunicativa, fundamentalmente democrática, que politiza a imagem por meio da palavra.
Fotografar é também viver historicamente. A técnica de pinhole – o furo na lata -, fundamentalmente artesanal e ancestral ao processo fotográfico analógico, ele mesmo em vias de extinção, está inscrita em outra lógica temporal em relação ao processo digital de produção de imagem atualmente em uso. Sua apropriação para efetivar o procedimento criativo por si só já imprime força política à imagem contemporânea, pois, ao reinscrever o passado no presente, considera experiências vividas como fator de mudança e de transformação social. Ver, assim, passa a ser também conhecer e conceber o mundo social.
Cada dia me pensamento é diferente nasceu e se desenvolveu nessa encruzilhada onde se reinventa o mundo visível em criação coletiva para se extrair de um texto a transcendência que alimenta a imagem. Assim, este trabalho se coloca, com naturalidade, na vanguarda do que de melhor se produz no terreno das visualidades. Eis o maior mérito do projeto Mão na Lata, partir do que é mais primordial na fotografia para navegar na contemporaneidade das reinvenções e tirar desse encontro de tempos uma poética original. São dez anos de trabalho na comunidade da Maré em projeto que vai além da proposta de utilizar a fotografia como instrumento de inclusão social. No dizer de Tatiana Altberg, o Mão na Lata é “um espaço coletivo de escuta onde as diferenças convivem e a singularidade de cada um é valorizada e respeitada”.
Isso faz a diferença, porque fotografar é desenvolver um diálogo com o mundo visível, no interior do qual evoluiu a subjetividade do autor. Neste livro, o frescor das idéias se completa na maturidade do olhar, e o que não aparece nas fotos se vislumbra nos textos, se deixa entrever nas entrelinhas, delimitando o que as coordenadoras do projeto chamam de novos “territórios existenciais”. Essa transformação na maneira de ser dos autores está presente em cada página e representa a conquista maior desta viagem compartilhada. É ela que confere toda a magia que nos arrebata na releitura plástica do universo de Machado, no passeio pelo mundo cotidiano dos autores, no mergulho corajoso pela intimidade de cada um, tão generosamente compartilhada.

Milton Guran
Fotógrafo, antropólogo e coordenador geral do FotoRio – Encontro Internacional de Fotografia do Rio de Janeiro