Seminário de Soluções Fundiárias do TRF2: união entre poderes ajuda a resolver conflitos de terra

Publicado em 29/07/2024

“Numa disputa judicial não devem existir só o autor da ação e o réu. Todos podem contribuir para encontrar uma solução”. Esse foi um discurso comum dos palestrantes no primeiro dia do Seminário “Soluções Fundiárias na Justiça Federal da 2ª Região”, no auditório do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), no centro do Rio de Janeiro, coordenado pelo desembargador federal Ricardo Perlingeiro, presidente da Comissão de Soluções Fundiárias. O presidente do TRF2, desembargador federal Guilherme Calmon; a corregedora regional da Justiça Federal da 2ª Região, desembargadora federal Leticia De Santis Mello; e o desembargador federal Júdice Neto prestigiaram o evento.

 

Fernando Prazeres, Leticia De Santis Mello, Guilherme Calmon e Ricardo Perlingeiro

 

Abrindo o seminário, o desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), Fernando Prazeres, presidente da Comissão de Soluções Fundiárias daquela Corte – pioneira no Brasil – , salientou que os magistrados têm a obrigação de se preocupar com questões como essas. “Não é possível que as coisas sejam assim. São problemas com consequências sociais graves”. O magistrado lembrou uma ida à Alvorada do Sul, no norte do Paraná, em 2019, depois que 50 famílias de trabalhadores foram despejados de uma área rural. Ele exibiu um vídeo que registrou seu encontro com Cibele, de quatro anos, filha de um agricultor. Triste com a situação, a menina estava inconsolável porque não podia mais comer amora e tinha perdido seu jegue. “Aquela cena nos tocou. O Dudu, meu motorista, chorou. Fizemos a viagem de volta em silêncio”, lembrou o magistrado. Prazeres chamou a atenção para mais um problema. “Os conflitos urbanos são uma bomba-relógio”, alertou. Mas não perde a esperança nem a alegria de buscar acordos. “As desocupações têm que ser programadas, com visitas técnicas, sempre imprescindíveis”, ensinou. “Tropecei com muita gente boa”, elogiou Prazeres. “Temos que fazer reflexões e compartilhar experiências. É fundamental uma visão prática da questão.”

 

O desembargador do TJPR, Fernando Prazeres (primeiro à esquerda), presidente da Comissão de Soluções Fundiárias daquela Corte, abriu o seminário

 

Na segunda palestra da manhã, a advogada Carina Simões, que trabalha no Supremo Tribunal Federal (STF), contou os bastidores da decisão do Corte, que suspendeu, na Arguição do Descumprimento de Poder Fundamental (ADPF 828), ordens de remoção e despejos de áreas ocupadas antes da pandemia. Carina, assessora direta do ministro Luis Roberto Barroso, presidente do STF, disse que a preocupação maior era com os vulneráveis. “Eram os mais expostos ao vírus, porque não tinham para onde ir. O fundamento principal da medida era a moradia como proteção à saúde e à vida, vida coletiva também. Eram mais de 3 mil mortes por dia”, lembrou a advogada. Elogiando a iniciativa pioneira da Justiça do Paraná, Carina Simões ressaltou ainda que boas ideias sempre ganham corpo. “Além disso, temos que buscar sempre um novo olhar para cada demanda. É necessário tirar o juiz do gabinete. A inspeção judicial é necessária, Visitas técnicas, por exemplo, são fundamentais mediações de conflitos”, afirmou.

 

Yuri Bezerra de Menezes, Leticia De Santis Mello, Ricardo Perlingeiro e Carina Simões

 

Em sua fala, o advogado Yuri Bezerra de Menezes, assessor de José Edivaldo Rocha Rotondano, conselheiro do CNJ, explicou como nasceu a Resolução 510. “Nosso ponto de partida foi a ADPF 828”. Menezes afirmou que todos tiveram que sair da lógica do binônio autor/réu. “Estamos falando de direitos constitucionais e de um processo estrutural”. O assessor do CNJ disse ainda que a interlocução com outros poderes é essencial. “Sentar à mesa em busca do consenso é sempre o melhor caminho”, deu a receita Menezes.

 

Yuri Bezerra de Menezes, Leticia De Santis Mello, Ricardo Perlingeiro e Carina Simões

 

Tarde

Na parte da tarde, foi a vez da Secretária da Comissão de Soluções Fundiárias do TJPR, Patrícia Elache Gonçalves dos Reis, discorrer sobre o fluxo de trabalho no TJPR. A analista judiciária destacou quatro etapas do funcionamento da Comissão: A questão da provocação, a etapa de análise e interlocução, uma interlocução pré-visita, e a visita técnica propriamente dita.

“De acordo com o artigo 4º da Resolução 510/23 do CNJ, a atuação da Comissão é determinada por decisão proferida pelo juiz da causa, que fará a remessa dos autos para a estrutura administrativa de apoio à Comissão, sem prejuízo da ciência do conflito por mera comunicação de qualquer uma das partes ou eventuais interessados”, explicou.

 

Fernando Prazeres, Ricardo Perlingeiro e Patrícia dos Reis

 

A partir daí, a análise leva em conta o processo, as características do conflito, da área e das partes, tendo como critérios para intervenção: a coletividade, a vulnerabilidade e o impacto. “Se o conflito for individual, quando não há conflito, ou quando o objetivo é tão somente a regularização fundiária, o que há é a devolução dos autos ao Juízo de origem e/ou indicação de evento ao Cejusc Cível”, destacou. Já se o conflito for coletivo – continuou – “parte-se para a interlocução, inclusive com um primeiro contato com os principais envolvidos no conflito, sempre com o objetivo de anunciar a existência da Comissão, sua finalidade, verificar expectativas e demandas e sanar dúvidas a fim de criar um ambiente propício ao diálogo; e o agendamento de visita técnica”.

Em seguida, Patrícia dos Reis abordou o chamado protocolo de visita técnica. “Solicitamos aos participantes conhecer não somente a área em litígio, mas especialmente as partes envolvidas e suas vulnerabilidades socioeconômicas”, destacou. Além disso, “é necessário evitar postura ostensiva, perguntas sensíveis e expressões que podem soar como pejorativas, além de compreender eventual apreensão e dúvida dos ocupantes”, lembrando que a visita técnica representa um subsídio para o processo de conciliação ou mediação e/ou para o magistrado nos momentos em que ele proferir decisões”, afirmou.

Por fim, a servidora destacou a importância de se realizar uma reunião prévia com as prefeituras e os moradores em ponto de encontro antes do deslocamento até a área onde será efetuada a visita técnica. “É fundamental o uso de linguagem simples, evitando-se expressões jurídicas de difícil compreensão. Além disso, é importante a apresentação do magistrado condutor da visita e dos demais presentes, a apresentação e esclarecimentos sobre a Comissão, e orientações aos participantes sobre a visita técnica”, destacou. Por fim, após a visita, devem ser dados esclarecimentos sobre os passos seguintes, além de avisos sobre as recomendações da Comissão.

Em seguida, encerrando o primeiro dia do Seminário “Soluções Fundiárias na Justiça Federal da 2ª Região”, foi a vez do desembargador do TJPR, Fernando Prazeres, presidente da Comissão de Soluções Fundiárias discorrer sobre o tema “Mediação e plano de ação: experiências da CSF-TJPR”.

 

Fernando Prazeres destacou algumas atuações da Comissão de Soluções Fundiárias do TJPR em conflitos fundiários coletivos

 

O magistrado iniciou sua apresentação destacando a importância de se utilizar algumas técnicas de mediação antes e durante uma visita técnica como: “Teste de realidade” (Reflexão sobre se a solução pensada resolve o conflito e qual o resultado esperado em caso de não acordo), “Escuta ativa – visita técnica” (Capacidade de ouvir e compreender uma mensagem que é transmitida, de forma a demonstrar um interesse verdadeiro para se conectar com a pessoa), e “RAPPORT – visita técnica” (Criação de vínculo de confiança com as partes e interessados, dando segurança e suporte aos envolvidos).

Para Fernando Prazeres, em relação às audiências de mediação, podem ser efetuadas sessões individuais (reuniões realizadas individualmente com as partes e seus advogados para que se sintam mais a vontade para se expressarem). “Com isso, o mediador consegue ter uma visão mais ampla do assunto”. Para ele, o chamado “brainstorming” também é importante na medida em que objetiva a criatividade das partes. “O mediador estimula as partes a buscarem o máximo de soluções possíveis para o litígio, aumentando a chance de êxito em firmar um acordo”, informou. É importante, continuou, “identificar e acolher os sentimentos que as partes desenvolveram em razão do conflito, ou seja, a chamada validação de sentimento”.

Em seguida, o magistrado destacou algumas atuações da Comissão de Soluções Fundiárias do TJPR em conflitos fundiários coletivos, como: “Ocupação Cambévilly no município de Cambé”; “Ocupação Maila Sabrina, localizada entre Ortigueira e Faxinal”; e “Ocupação em Colombo, área urbana localizada na região metropolitana de Curitiba”.

Compartilhar: