CNJ: STF estabelecerá balizas na jurisprudência sobre saúde pública*

Publicado em 13/04/2021

Decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre acesso público a tratamento médico sem registro regulatório e a medicamentos não incorporados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) formarão jurisprudência em meio à crescente judicialização dos temas da saúde, com milhares de processos sobre o tema nos mais diversos tribunais. A expectativa é que decisões da Suprema Corte relacionadas a essas e outras complexas questões da saúde pública tornem-se balizas a orientar a magistratura nacional em julgamentos que, muitas vezes, lidam com escolhas baseadas em orçamento limitado e acesso a tratamentos e medicamentos ainda sem registro.

A questão foi abordada na última quinta-feira (8/4) no painel “Judicialização da saúde: uma nova jurisprudência no STF?”, durante o Seminário Digital em Comemoração ao Dia Mundial da Saúde, evento realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em apresentação sobre a tema, o professor da Fundação Getúlio Vargas, mestre em direito pela USP e em filosofia pela London School of Economics and Political Science, Daniel Wang, falou sobre o julgamento no Recurso Extraordinário 657.718, que trata do fornecimento público de medicamento não registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

No cerne da discussão está a busca por julgamentos baseados em critérios técnico-científicos e que levem em consideração a centralidade da política de saúde pública instituída pelo Poder Executivo. O acadêmico tratou também do julgamento do Recurso Extraordinário 566.471, sobre a concessão judicial a medicamentos não incorporados pelo SUS, geralmente remédios de alto custo, um caso que abarca mais de 42 mil processos em tramitação atualmente no Brasil. E em ambas situações, no tratamento das excepcionalidades, o Supremo estabelecerá as referências.

Análise de custo-efetividade

Daniel Wang apresentou o “caminho” que um medicamento percorre antes de passar a ser fornecido pelo SUS. As etapas vão desde a pesquisa clínica, passando pela autorização da Anvisa, avaliação pela Comissão Nacional de Incorporação Tecnológica pelo SUS (Conitec), negociação de preço, incorporação à lista do SUS até o acesso público efetivo.

Entre as várias análises nesse processo há o elemento comparativo que relaciona segurança e eficácia dos novos tratamentos e, também, o elemento do custo orçamentário, no qual deve ser considerado a relação custo-efetividade. “Um novo tratamento talvez seja melhor do que o tratamento que já existe no SUS, mas é mais caro? Quão mais caro é? Quanto o sistema está disposto a pagar por um ganho incremental em saúde? Isso é o que se chama de avaliação custo-efetividade e serve para o sistema distinguir tratamentos com ganho pequeno a custo elevado daqueles tratamentos que trarão um ganho muito elevado a um preço muito menor. Sistemas que não se preocupam com custo efetividade podem acabar gastando muito dinheiro com tratamentos que trazem benefícios pequenos.”

O professor expôs que, se há um processo no qual são estabelecidos protocolos e regras para acesso aos novos medicamentos ou tratamentos, deve-se perguntar por que há uma escalada de judicialização na saúde. “Se concordamos que cada passo desse processo é importante, então, no mínimo, temos que ter alguma preocupação com o fato de o Judiciário, com tanta facilidade e frequência, seja usado para pular etapas. O Judiciário muito frequentemente é usado como um atalho para tratamentos que não completaram esse processo para serem custeados pelo SUS.”

Segundo Daniel Wang, no recurso extraordinário, que trata do fornecimento de medicamentos de alto custo, já consta um acórdão, porém não há uma tese do tema de repercussão geral, mas sim alguns consensos: o SUS não pode ser obrigado a fornecer todo e qualquer tratamento prescrito por profissional; o SUS deve fornecer os medicamentos já incorporados em sua lista; e a concessão de tratamentos não incorporados pelo SUS é a exceção e a preferência deve ser dada a tratamentos já incorporados.

O secretário-geral do CNJ, Valter Shuenquener, apresentou um histórico dessas avaliações pelo Supremo desde 1997 até os dias atuais. “O tema aparece antes da regulação por agência reguladora e antes até do instituto da repercussão geral. Tanto que a análise anterior a 2004 é de decisões isoladas que prestigiaram a vida e o cotejo com o dinheiro como se fosse essa a comparação. Na verdade, a questão é saúde com saúde, vida com vida e não dinheiro versus saúde.”

Segundo Shuenquener, essa trajetória tem mostrado que o STF passou a dialogar com a regulação, com as agências reguladoras, abrindo espaço para o surgimento de preocupações de ordem financeira e voltadas a prestigiar a política pública de saúde instituída pelo Executivo.

Pandemia

A pandemia da Covid-19 também foi tema debatida no Seminário Digital em Comemoração ao Dia da Saúde. O diretor do Departamento de Monitoramento e Avaliação do SUS do Ministério da Saúde, Angelo Denicoli, apresentou os painéis estatísticos com que a pasta avalia a situação e toma decisões em relação à crise sanitária. Um deles, o Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe), permitiu consolidar o perfil das vítimas da Covid-19 ao longo do ano passado: 89% das pessoas que tiveram como causa mortis a contaminação pelo novo coronavírus em 2020 tinham mais de 50 anos.

De acordo com a chefe de gabinete da Secretaria de Atenção Especializada em Saúde, Maria Inês Pordeus Gadelha, os números precisam ser consistentes e consolidados para gerar informação de qualidade. O valor científico dos dados também ajuda a afastar os vieses das estatísticas e, consequentemente, de suas interpretações. Para tanto, é necessário exigir das análises as fontes primárias das informações consideradas e comparabilidade dos dados. “Os dados precisam gerar informação para identificação de problemas, propostas de solução, monitoramento e avaliação de iniciativas tomadas por governantes, autoridades”, afirmou Inês Gadelha, que também integra o Comitê Executivo Nacional do Fórum da Saúde do CNJ.

De acordo com o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), até esta quinta-feira (8/4), o Brasil registrou 313.426 mortes em função de complicações da Covid-19. Os dados desse painel estatístico são confirmados pelos serviços de verificação de óbitos das vigilâncias epidemiológicas em todo o país. Um dos dados aponta as comorbidades que os doentes tiveram simultaneamente à Covid-19. Cerca de 50% das doenças concorrentes à Covid-19 dos pacientes que faleceram eram relacionadas ao sistema circulatório ou cânceres. “Não posso dizer que os óbitos por Covid estão superdimensionados, mas a pandemia nos ensinou que o corpo mais saudável é mais resiliente. Quem tinha mais saúde conseguiu resistir melhor à doença”, afirmou Angelo Denicoli.

*Agência CNJ de Notícias