Deflagração do processo de incorporação de tecnologias no SUS – Empório do Direito – 30/9/2019

Publicado em 01/10/2019

Clênio Jair Schulze 

No âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, cabe à Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias – Conitec o estudo e avaliação para incorporação nacional de novas tecnologias, conforme previsto na lei 8080/1990.

Neste ponto, questão interessante reside em saber como funciona a deflagração do pedido.

Tal tema está regulado no Decreto 7.646/2011[1], que fixa o seguinte caminho:

Art. 15. A incorporação, a exclusão e a alteração pelo SUS de tecnologias em saúde e a constituição ou alteração de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas serão precedidas de processo administrativo.

§1º O requerimento de instauração do processo administrativo para a incorporação e a alteração pelo SUS de tecnologias em saúde e a constituição ou alteração de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas deverá ser protocolado pelo interessado na Secretaria-Executiva da CONITEC, devendo ser acompanhado de:

I – formulário integralmente preenchido, de acordo com o modelo estabelecido pela CONITEC;

II – número e validade do registro da tecnologia em saúde na ANVISA;

III – evidência científica que demonstre que a tecnologia pautada é, no mínimo, tão eficaz e segura quanto aquelas disponíveis no SUS para determinada indicação;

IV – estudo de avaliação econômica comparando a tecnologia pautada com as tecnologias em saúde disponibilizadas no SUS;

V – amostras de produtos, se cabível para o atendimento do disposto no §2º do art. 19-Q, nos termos do regimento interno; e

VI – o preço fixado pela CMED, no caso de medicamentos.

§2º O requerimento de instauração do processo administrativo para a exclusão pelo SUS de tecnologias em saúde deverá ser acompanhado dos documentos previstos nos incisos I, II, VI do §1º , além de outros determinados em ato específico da CONITEC.

§3º A CONITEC poderá solicitar informações complementares ao requerente, com vistas a subsidiar a análise do pedido.

§4º No caso de propostas de iniciativa do próprio Ministério da Saúde, serão consideradas as informações disponíveis e os estudos técnicos já realizados para fins de análise pela CONITEC.

Além disso, a Portaria 2009/2012[2] do Ministro da Saúde também regula o tema da seguinte forma:

Art. 47. Para cada tipo de tecnologia em saúde a ser proposta para fins de incorporação pelo SUS, o proponente deverá entregar a seguinte documentação:

I – formulário para apresentação de proposta de incorporação de tecnologia em saúde preenchido, impresso e assinado, contendo os seguintes itens:

a) informações sobre o proponente;

b) declaração de entrega de todas as informações e documentos obrigatórios para a composição do processo de proposta de incorporação, exclusão ou alteração de tecnologia em saúde; e

c) resumo executivo: descrição sucinta da proposta de incorporação, exclusão ou alteração de tecnologia em saúde, contendo, no mínimo, as seguintes informações:

  • motivo da solicitação de incorporação, exclusão ou alteração de tecnologia em saúde;
  • nome comercial da tecnologia em saúde no Brasil e, no caso de medicamento, também o do princípio ativo;
  • nome do fabricante;
  • natureza da tecnologia: terapia, diagnóstico, prevenção ou, no caso de outra, com a respectiva classificação;
  • proteções patentárias da tecnologia em saúde no Brasil e as respectivas validades;
  • descrição da(s) apresentação(ões) solicitada(s), conforme registro na ANVISA;
  • número e validade do registro na ANVISA;
  • indicações e/ou usos aprovados pela ANVISA;
  • indicação proposta para o SUS (deve ser citada apenas uma indicação por solicitação);
  • fase ou estágio da doença ou da condição de saúde em que a tecnologia em saúde será utilizada (deve ser citada apenas uma fase/estágio por solicitação);
  • caracterização da tecnologia em saúde em relação (à)s atualmente utilizada(s) no SUS (alternativa, complementar, substitutiva);
  • valor agregado com o uso da tecnologia em saúde, se houver;
  • necessidade de adequação de infraestrutura para o uso da tecnologia;
  • comparador principal ou padrão-ouro;
  • estudo(s) no(s) qual(is) a evidência clínica apresentada é baseada;
  • principais desfechos clínicos dos estudos apresentados na proposta;
  • tipo de avaliação econômica realizada (na perspectiva do SUS);
  • razão incremental de custo-efetividade;
  • preço CMED (preço fábrica – ICMS 18%), no caso de medicamento;
  • preço proposto para a incorporação ou alteração da tecnologia em saúde, em moeda corrente (R$);
  • estimativa anual do número de pacientes que poderão utilizar a tecnologia em saúde nos primeiros cinco anos; e
  • estimativa de impacto orçamentário da tecnologia em saúde no SUS, na abordagem epidemiológica, para os primeiros cinco anos de utilização;

II – documento principal composto das seguintes partes:

a) sumário: lista organizada, com indicação dos números das páginas em que estão localizados os assuntos, seções, etc;

b) descrição da doença e/ou condição de saúde: epidemiologia, história natural da doença, incidência e/ou prevalência, etc;

c) descrição da tecnologia em saúde, com o seguinte conteúdo mínimo:

  • informações sobre a tecnologia em saúde: nome comercial do produto no Brasil e no País de origem, descrição sintética da tecnologia em saúde, identificação do fabricante, indicação (doença ou condição de saúde), proposta da tecnologia em saúde em conformidade com o registro do produto na ANVISA e forma de apresentação e concentração (em caso de medicamentos);
  • identificação de proposta: apontar se trata da incorporação de medicamento ou produto para saúde (diagnóstico ou tratamento) ou procedimento ou nova indicação ou nova apresentação de medicamento já disponível no SUS;
  • informações sobre a regularidade sanitária: número de registro na ANVISA (13 dígitos), validade do registro na ANVISA e data da publicação do registro na ANVISA; e
  • informações de mercado: proteção patentária no Brasil, validade da patente, preço aprovado pela CMED, no caso de medicamento, e preço proposto de venda ao governo;

d) descrição das evidências científicas relativas à eficácia, efetividade, acurácia e segurança da tecnologia em saúde proposta, comparadas, quando couber, a tecnologias em saúde já incorporadas, por meio de apresentação de Revisão Sistemática ou Parecer Técnico- Científico (PTC) desenvolvido de acordo com a edição atualizada da Diretriz Metodológica de Elaboração de PTC do Ministério da Saúde;

e) apresentação de estudo de avaliação econômica (custoefetividade, custo-minimização, custo-utilidade ou custo-benefício) na perspectiva do SUS, de acordo com a edição atualizada da Diretriz Metodológica de Estudos de Avaliação Econômica de Tecnologias em Saúde do Ministério da Saúde;

f) apresentação de estimativa de impacto orçamentário, na abordagem epidemiológica, da tecnologia proposta e correspondente comparação com a tecnologia em saúde já disponível no SUS;

g) referências bibliográficas; e

h) anexo: cópia da bula ou instrução de uso aprovada na ANVISA;

III – textos completos dos estudos científicos referenciados (apenas em meio digital).

Parágrafo único. O formulário para apresentação de proposta de incorporação de tecnologia em saúde e as Diretrizes Metodológicas do Ministério da Saúde encontram-se disponíveis no Portal da Saúde, no endereço eletrônico http://portal.saude.gov.br, na página da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos – Novas Tecnologias.

 

Como se observa, o pedido para deflagar estudo para incorporação de novas tecnologias exige uma série de requisitos, inerentes a um processo administrativo.

Os dispositivos acima mencionados indicam que:

a) o pedido, em regra, deve ser formulado pelo interessado (geralmente é a própria indústria que fabricou a tecnologia em Saúde);

b) é necessário o registro na Anvisa e a fixação de preço na CMED;

c) é indispensável a apresentação de provas sobre a evidência científica do produto;

d) excepcionalmente, diante de necessidade emergencial ou interesse ao SUS, o próprio Ministério da Saúde pode deflagrar o processo administrativo;

e) o custo efetividade e o impacto econômico são considerados;

f) eventual deficiência no pedido ou nos documentos pode ensejar o indeferimento do pedido.

Portanto, não é possível atribuir ao SUS, como muitas vezes acontece, a responsabilidade para deflagração do processo administrativo, pois aqui aplica-se o princípio da inércia (só há atuação mediante provocação). A regra, como visto, é que a indústria postule a incorporação de produtos em saúde.

Em consequência, havendo judicialização de tecnologias não incorporadas, parecer mais adequada a expedição de ofício ao agente produtor da tecnologia – e não ao Ministério da Saúde –, para que postule a deflagração do processo administrativo perante a CONITEC, já que ele possui todos os documentos e informações necessários para instruir o pedido. Isso facilita o trabalho e também legitima o fortalecimento das instituições em prol da melhoria do serviço público e da maior concretização do direito à saúde.

Notas e Referências

[1] BRASIL. Decreto nº 7.646, de 21 de dezembro de 2011. Dispõe sobre a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde e sobre o processo administrativo para incorporação, exclusão e alteração de tecnologias em saúde pelo Sistema Único de Saúde – SUS, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7646.htm . Acesso em: 27 Set. 2019.

[2] BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.009, de 13 de setembro de 2012. Aprova o Regimento Interno da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC). Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2012/prt2009_13_09_2012.html . Acesso em: 27 Set. 2019.

 

Clenio Jair Schulze é juiz  federal. Foi juiz auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça – CNJ (2013/2014). É mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – Univali. É co-autor do livro “Direito à saúde análise à luz da judicialização”.