TJRJ lança ferramenta de conciliação online para casos da área da saúde*
Publicado em 14/03/2019
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) recebeu mais de 50 mil processos na área da saúde em 2018. Levando-se em conta o orçamento anual do TJRJ e o número de processos na área, chega-se à conclusão de que cada demanda tem um custo que varia de de R$ 1,8 mil a R$ 4 mil para o tribunal.
Com o objetivo de tentar reduzir a litigância no setor e permitir que os magistrados do estado utilizem o tempo de trabalho na análise de processos mais complexos e de maior repercussão, o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec) do TJRJ criou o “Centro de Integração Online”.
A ferramenta digital, que pode ser acessada por aplicativo no celular ou pelo site oficial, estará disponível para download a partir da próxima semana. Segundo o desembargador César Cury, presidente do Nupemec, a plataforma permitirá que um cidadão resolva problemas com planos de saúde e redes credenciadas em até três horas, sem precisar judicializar a demanda.
O aplicativo vai funcionar da seguinte forma: primeiro, o cidadão, ou seu advogado, insere no aplicativo o problema que enfrenta. Automaticamente, a plataforma mostra uma série de possíveis soluções não judiciais para a resolução da reclamação. Todas as alternativas são previamente cadastradas por um sistema de inteligência artificial.
Caso o cidadão concorde com a proposta do aplicativo, a ferramenta emitirá um aviso para o plano de saúde cumprir o acordado.
Se o cidadão não ficar satisfeito, imediatamente, um representante do plano de saúde é acionado para uma conversa online com o reclamante. Se não houver acordo, um mediador online ?cará disponível para tentar solucionar a demanda. Também há a opção de agendamento de conciliação presencial.
“Todas as soluções apresentadas pelo aplicativo são baseadas na própria jurisprudência do tribunal. Os casos mais comuns são pacientes que precisam de uma cirurgia e o plano de saúde não autoriza, além de pedidos para o fornecimento de remédios, tema que também gera muito litígio”, afirma o desembargador Cesar Cury.
Ao acionar a ferramenta o paciente recebe uma lista dos serviços, cirurgias e medicamentos que tem o direito de receber em seu contrato do plano de saúde. “Muitos desses problemas acontecem porque os reclamantes não sabem o que está incluído em seu contrato. O aplicativo traz de maneira fácil os itens presentes no plano”, diz o magistrado.
Mesmo que um determinado item não esteja no contrato, o cliente poderá exigir uma negociação com a empresa para uma solução temporária. “Caso precisem de uma internação, mas o contrato não incluir esse serviço, o paciente pode falar com o negociador do plano para abrir uma internação de exceção por um período de 24 horas, por exemplo. Todas essas soluções podem ser conversadas com o plano”, afirma Cury.
Outro exemplo de uso do aplicativo citado pelo desembargador é o de um exame médico em regiões sem cobertura do plano de saúde. O interessado pode solicitar à empresa de saúde que o seu exame seja realizado em uma região próxima. “A conciliação permite essas soluções alternativas sem a necessidade de um processo judicial”, afirma o magistrado.
O Centro de Integração Online foi pensado depois da experiência com a recuperação judicial da Oi, em 2016, que envolveu mais de 50 mil credores. O tribunal utilizou um sistema online de mediação que permitiu a realização de milhares de acordo, sem a necessidade de processos judiciais. O sistema foi desenhado pelo próprio TJRJ, que contratou uma empresa especializada para a produção da ferramenta.
“O caso da Oi foi a base pra o desenvolvimento do sistema na área da saúde. O tribunal não teria condições e tempo de julgar cada um dos milhares de processos”, diz Cury.
Para Eduardo Gil, diretor jurídico do UnitedHealth Group Brasil, a ferramenta online na área da saúde deve ter função diferente do sistema aplicado no caso da Oi.
“Na recuperação judicial, a conciliação era a única saída dos credores. Para a saúde, a ferramente não pode ser usada somente em último caso. Ela precisa representar uma mudança de pensamento contra a ideia da judicialização excessiva”, diz Gil.
De acordo com o diretor jurídico, o principal impacto da ferramenta do TJRJ para os planos de saúde será a maior rapidez de resolução dos processos e a economia de gastos com litígios.
“A conciliação online traz maior segurança jurídica para o mercado da saúde. Ao agir logo no início do problema, evitamos processos demorados e todo o estresse que o consumidor enfrenta ao aguardar uma decisão judicial. Resolvendo o problema rapidamente, sem litigância, o mercado da saúde fica mais previsível”, afirma Gil.
Plantão Judiciário
Outra consequência da ferramenta, segundo Gil, é a menor chance de atuação de grupos que fraudam o setor da saúde em plantões judiciários durante a madrugada.
“Há casos de pessoas que solicitam o fornecimento de um remédio para uma determinada doença. Entretanto, quando pesquisamos mais profundamente, descobrimos que era uma fraude para revender o medicamento.Tudo isso com aval do Judiciário”, afirma o diretor jurídico.
Ele acrescenta que com a ferramenta online esse tipo de erro judicial será mais incomum. “Infelizmente, hoje, falta o conhecimento médico ao juiz. O plantão é um ambiente de pressão, com muitos casos diversos. Não há uma equipe de perícia para auxiliá-lo”, afirma.
Com a plataforma online, as demandas, segundo Gil, serão atendidas por pessoas selecionadas pelos planos de saúde e especializadas no assunto.
Além disso, há outros problemas identificados pelos planos de saúde nos plantões judiciários. Um deles são as ordens judiciais para o fornecimento de um medicamento importado em até 24 horas. “Um medicamento internacional demora pelo menos 30 dias para chegar ao Brasil. Isso gera uma falsa expectativa no consumidor”, afirma o diretor jurídico.
Pedidos para que o plano de saúde forneça um tratamento específico ao consumidor em regiões sem médicos especializados também são comuns. “Tem até solicitação de cirurgia bariátrica durante plantão de madrugada. Não é um procedimento urgente, mas o juiz defere”, diz Gil.
Para o desembargador Cesar Cury, a maior parte desses casos não deveria ter discussão no Judiciário. “São ações repetitivas que podem ser tratadas por sistemas inteligentes de resoluções de demandas. Os tribunais aqui precisam entender os benefícios que a inteligência artificial pode nos dar”, afirma.
Fonte: Jota