“Direito antropofágico”: Juiz federal fala sobre importação de idéias para a Justiça em evento com professores americanos

Publicado em 26/06/2009

A Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª Região (Emarf), em parceria com o Consulado Geral dos EUA-RJ, com a  Georgia State University, com a Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro (PGE-RJ), com o Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro (TCM-RJ), e com a Universidade Candido Mendes (UCAM), realizou, nos dias 15 e 16 de junho, no Rio, a “2ª Jornada de Direito Administrativo Comparado Brasil-EUA”.
A conferência de abertura do evento ficou a cargo do Procurador do Estado do Rio de Janeiro, Mestre em Direito pela Universidade de Yale, professor da Uerj e advogado, Luis Roberto Barroso. Ao longo do encontro, foram realizados diversos painéis, como “Controle judicial de políticas públicas e ações afirmativas”, “Regulação do Comércio Internacional: Gatt, Nafta e Mercosul” e “Direito da Cidade: Crescimento populacional, proteção ao meio ambiente e direito à moradia”.
Ainda no primeiro dia, o tema “Metodologia de comparação no Direito e acesso à Justiça no Brasil e nos EUA” foi dissecado pela professora da Puc-Rio, Ana Lucia de Lyra Tavares, pela professora Penny White, da  University of Tennessee College of Law, e pelo juiz federal e pesquisador, também da Puc-Rio, Alceu Maurício Junior, que começou falando sobre a “antropofagia” do Direito brasileiro, em relação aos institutos jurídicos de outros países. A metáfora foi usada pelo magistrado para ilustrar como, a exemplo do que ocorria com os inimigos capturados por algumas tribos indígenas no começo da colonização, o Brasil tende a “devorar” idéias estrangeiras e incorporá-las às instituições e à legislação nacional. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o instituto do controle de constitucionalidade e com outros modelos, que se tornaram úteis ao país porque muitos problemas daqui também existem nos Estados Unidos ou na Europa.


Alceu Maurício Junior: diferenças sociais, culturais e econômicas têm de ser levadas em conta

 

Mas, o palestrante ressalvou, a internalização de soluções encontradas por outras nações deve passar pelo crivo da crítica e por adaptações: “Quando usamos o direito comparado para implementar novos meios de acesso à Justiça, temos de atentar para os aspectos legais, mas também para as diferenças sociais, culturais e econômicas dos dois países. Sem levar em conta essas distinções, o sistema importado acaba não funcionando como deveria, o que gera frustração para a sociedade”. 
Para ilustrar seu ponto de vista, Alceu Maurício Junior citou os chamados mecanismos alternativos de solução de disputa, como a arbitragem e a conciliação. Esses recursos têm sido apontados como uma grande solução para desafogar o Judiciário brasileiro, mas funcionam bem melhor nos EUA, porque lá o custo do processo é alto, os advogados são caros, a Defensoria Pública não funciona em causas cíveis e o Ministério Público local não tem as mesmas funções do brasileiro. Isto tudo desestimula as partes de persistir na demanda judicial.
No Brasil, a realidade é diferente: a defensoria pública tem uma atuação mais ampla, há vários expedientes legais para garantir a gratuidade da Justiça para quem não pode pagar e o Ministério Público tem poderes para agir – e age – com mais efetividade. “Esse custo zero ou custo muito baixo leva a uma preferência pela via judicial. A arbitragem ou a mediação são pouco usadas. E menos ainda no Direito Administrativo, já que a Fazenda Pública, por questões culturais, não é muito afeita a negociações. A grande maioria dos processos vai a  julgamento e, destes, uma expressiva parcela gera recursos e apelações às instâncias superiores. Os mecanismos de redução do acesso aos tribunais superiores, como a súmula vinculante e a repercussão geral, são recentíssimos. Tudo isto conduz à sobrecarga das cortes brasileiras”, explicou o juiz federal

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