Princípio da precaução e falta de regulamentação da Anvisa levam TRF2 a suspender fornecimento de colírio experimental

Publicado em 05/11/2018

Em razão da falta de reconhecimento da comunidade científica, a Quinta Turma Especializada do TRF2 decidiu suspender a autorização para o fornecimento de um colírio experimental a uma portadora de erosão corneana recorrente. A autorização fora concedida por liminar da Justiça Federal do Rio de Janeiro, permitindo a produção da substância por um laboratório privado de São Paulo.

O mérito do processo ainda será julgado pela primeira instância, onde a paciente ajuizou ação para ter acesso ao colírio de soro autólogo, que teria produzido bons resultados no seu quadro clínico, caracterizado por doença oftalmológica que provoca grande incômodo e, em casos mais graves, pode levar à cegueira.

Em seu pedido, a paciente sustentou que teria começado a usar o colírio ao participar de um estudo clínico conduzido na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que produzia a substância em parceria com o laboratório privado. Todavia, em 2017, o composto teria sido restringido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com base Resolução n° 2.128/2015 do Conselho Federal de Medicina (CFM).

O relator do processo no TRF2, desembargador Ricardo Perlingeiro, destacou que os autos não esclarecem qual a substância usada, de fato, pela autora da ação durante a pesquisa, tampouco qual ela vem recebendo como efeito da liminar concedida.

O magistrado observou que, de acordo com a documentação juntada aos autos, o trabalho acadêmico do qual participou a autora tinha por finalidade a comparação entre os efeitos do plasma rico em plaquetas (PRP) com os do plasma pobre em plaquetas (PPP), não fazendo qualquer referência ao soro autólogo (substância de reconhecida utilidade na medicina). Assim, embora a paciente tenha se referido ao soro autólogo, há indícios de que ela tenha sido tratada com o PRP, substância sem eficácia científica comprovada e sem registro da Anvisa.

A Resolução n° 2.128/2015 estabelece que o plasma rico em plaquetas (PRP) só deve ser utilizado em estudos clínicos, seguindo os protocolos dos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP). Portanto, não haveria motivo para a descontinuidade da substância no âmbito do estudo do qual participava.

A decisão da Quinta Turma Especializada de cassar a liminar foi proferida no julgamento de agravo da União. Para o colegiado, que acompanhou por unanimidade o voto do relator, ficou comprovado que não há segurança para o consumo do colírio, na fase experimental: “Apesar de a prática da medicina baseada em evidências estar se desenvolvendo nos últimos anos, é preciso que estudos plenos de sabedoria e imparcialidade definam o que é realmente bom, seguro e de aplicação aprovada. O PRP ainda não foi avaliado desta forma, não havendo evidências científicas sobre sua utilidade, tratando-se, portanto, de procedimento experimental”, explicou Ricardo Perlingeiro.

O desembargador também lembrou que a Resolução nº 1.499/1998, do CFM, proíbe os médicos de realizar terapias não reconhecidas pela comunidade científica. Em seu voto, Ricardo Perlingeiro levou em conta ainda o risco de dano grave à saúde da paciente, com o uso de remédio ainda não aprovado, e ponderou que não cabe ao Judiciário substituir as atribuições da Anvisa, permitindo a isenção de análises clínicas e de registro sanitário: “O poder público estaria servindo de amparo ao experimento, estabelecendo critério de dispensação do medicamento a agravada”, concluiu.

 

Leia o inteiro teor da decisão. Proc. 0006140-28.2018.4.02.0000

Relatório – VotoEmenta/Acórdão

 

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