TRF2 reforma sentença que anulava contrato entre morador da Vila Autódromo reassentado e a CEF

Publicado em 07/01/2019

A Quinta Turma Especializada do TRF2 reformou sentença que anulara contrato do programa Minha Casa, Minha Vida firmado entre um ex-morador da Vila Autódromo e a Caixa Econômica Federal (CEF). Ele é um dos antigos residentes da comunidade da Zona Oeste carioca removida pela Prefeitura, para possibilitar a construção dos prédios que abrigaram os atletas competidores nos Jogos Olímpicos de 2016 e para a realização das obras de recuperação das faixas marginais da Lagoa de Jacarepaguá.

O ex-morador ajuizou ação na Justiça Federal do Rio de Janeiro alegando que o então prefeito Eduardo Paes havia prometido entregar os novos imóveis livres de quaisquer ônus às famílias que aceitaram a mudança. No entanto, os apartamentos que compõem os nove blocos do Parque Carioca estão alienados ao banco, até a quitação de um financiamento de dez anos. O autor da causa assinou o contrato de financiamento com a CEF, mas afirma que o fez por ter sido induzido a erro pelo Executivo municipal.

A Prefeitura assumiu, segundo informações dos autos, o compromisso de pagar as parcelas do contrato até o fim. Mas a primeira instância da Justiça Federal concluiu que teria havido dolo de terceiro. Por conta disso, declarou a nulidade do contrato e determinou a transferência do imóvel para o nome do autor, livre de dívidas. O juiz de primeiro grau ainda condenou o município a pagar ao autor indenização de R$ 10 mil. A ocorrência de dolo é uma das hipóteses de nulidade dos negócios jurídicos, nos termos do Código de Processo Civil.

Após a sentença, a Prefeitura e a CEF apelaram ao TRF2. No entendimento do relator  da ação, desembargador federal Ricardo Perlingeiro, não ficou provado o vício de consentimento alegado pela defesa do ex-morador da Vila Autódromo. O magistrado iniciou seu voto explicando que o caso não é de desapropriação, mas sim de regularização de ocupação irregular em terreno pertencente ao município.

Prefeitura assumiu parcelas do financiamento

O desembargador lembrou que o Parque Carioca foi construído com recursos do Fundo de Amparo Residencial (FAR). Ele observou que a Lei instituidora do Minha Casa, Minha Vida (Lei 11.977, de 2009) e o Decreto 7.499, de 2011, exigem a participação financeira dos beneficiários do FAR, sob a forma de prestações mensais: “A prefeitura aceitou arcar com as parcelas do financiamento, o que vem sendo feito até o presente, não havendo notícia de inadimplemento contratual”, acrescentou.

Ricardo Perlingeiro prosseguiu destacando, no voto, que os trâmites do reassentamento foram amplamente noticiados pela imprensa e que, além disso, houve diversas audiências públicas sobre a questão, com a intermediação da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro: “Nessa quadra, não se revela plausível a alegação de que houve dolo por parte do Poder Público no que tange à pactuação do contrato em questão, bem como de que o demandante desconhecia o teor das cláusulas contratuais”, observou.

O magistrado também entendeu que o direito do cidadão à moradia está sendo garantido pelo município, com a entrega de “um lugar digno e regular para que possa constituir sua residência”. O relator ressaltou ainda “a plausibilidade dos argumentos que buscam justificar a impossibilidade de alienação imediata dos imóveis destinados ao reassentamento das famílias, vez que uma das preocupações centrais de tal instrumento de política habitacional é evitar o deslocamento das mesmas para novas ocupações irregulares, o que tornaria inútil o esforço do Poder Público”.

Por fim, Ricardo Perlingeiro considerou não ser cabível a indenização por dano moral pedida pelo autor da ação, já que ele obteve a posse do imóvel prometido pela Prefeitura, “no prazo acordado, sendo atingida a finalidade precípua do reassentamento, qual seja, garantir aos beneficiários o direito fundamental à moradia”.

A Vila Autódromo

A ocupação da Vila Autódromo teve início na década de 1960. A comunidade se instalou às margens da Lagoa de Jacarepaguá, na Zona Oeste, e nas proximidades do Autódromo Internacional Nelson Piquet, demolido em 2012 também para dar lugar às instalações do complexo olímpico. Quando a remoção das casas começou, em 2014, moravam no local cerca de 600 famílias.

Segundo a Prefeitura do Rio de Janeiro, a desocupação da Vila Autódromo atenderia a exigência do Comitê Olímpico Internacional (COI), sob o argumento de que as moradias invadiam o perímetro de segurança das instalações que seriam erguidas para os 15 mil atletas de delegações internacionais.

A promessa inicial do Executivo municipal foi a de transferir para os novos ocupantes a propriedade das unidades do Parque Carioca desembaraçada de quaisquer ônus. Mas, antes mesmo de o condomínio ficar pronto, a proposta foi revista, em razão da impossibilidade jurídica de imóveis construídos com recursos do FAR serem entregues sem a participação financeira dos beneficiários.

No final, ficou definido que os antigos moradores da Vila Autódromo poderiam receber indenização – calculada entre R$ 40 mil e mais de R$ 2 milhões -, ser realocados no Parque Carioca ou permanecer no local, em área reurbanizada, após a conclusão do reassentamento no novo condomínio e do pagamento das indenizações. Apenas vinte das famílias da comunidade se decidiram pela terceira opção.

Clique para ler a decisão na íntegra.

Proc.: 0050223-26.2016.4.02.5101

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