Comissões de enfrentamento ao assédio da 2ª Região realizam palestra sobre a construção de ambiente seguro e saudável*

Publicado em 14/05/2024

A palestra fez parte da campanha “Juntos contra o Assédio e a Discriminação: INFORMAR para CONSCIENTIZAR”, promovida entre 6 e 10 de maio pela Justiça Federal da 2ª Região, durante a Semana Nacional de Combate ao Assédio e à Discriminação

 

Evento “Construindo um ambiente de trabalho seguro e saudável: a importância da política de prevenção e enfrentamento ao assédio moral, sexual e da discriminação no Poder Judiciário”

 

As Comissões de Enfrentamento ao Assédio Moral e ao Assédio Sexual e contra a Discriminação da Justiça Federal da 2ª Região (JF2R) realizaram, na tarde da última quarta-feira, dia 8, o evento on-line “Construindo um ambiente de trabalho seguro e saudável: a importância da política de prevenção e enfrentamento ao assédio moral, sexual e da discriminação no Poder Judiciário”, com a participação da advogada, professora doutora Jeane Martins e do servidor da Justiça Federal do Espírito Santo (JFES) Rafael Nespoli.

A abertura do evento foi feita pela corregedora regional da JF2R e presidente da Comissão no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), desembargadora federal Leticia De Santis Mello, que disse de sua alegria em estar ali e ressaltou a “atuação absolutamente integrada” e o “fluxo comum procedimental de todas as comissões”, o que culminou na elaboração da Portaria TRF2-POR-2023/00018 de 31 de outubro de 2023, “a seis mãos”, que trata do acolhimento, suporte e acompanhamento a ser observado na 2ª Região.

Envolvimento

A magistrada agradeceu à juíza federal Enara de Oliveira Ramos Pinto, presidente da Comissão da JFES, por todo o empenho, ela “que é a pessoa que há mais tempo está envolvida com a comissão contra o assédio”.

Saudou ainda o juiz federal Dario Ribeiro Machado Junior, que já tem larga experiência nesta temática, especificamente na da discriminação, e cumprimentou a juíza federal Katherine Ramos Cordeiro, que substitui a juíza federal Marcela Ascer Rossi, em licença maternidade.

Segundo a desembargadora, o Poder Judiciário tem a missão constitucional de concretizar direitos fundamentais, dentre eles direito ao trabalho, e de zelar para que esses direitos sejam garantidos. “Temos o trabalho como um pilar muito importante da nossa vida. O trabalho pode e deve significar muito mais na vida de todos e sabemos também que o trabalho pode ser um ambiente extremamente tóxico e isso afeta até nossas relações familiares”, afirmou.

Por fim, a corregedora agradeceu “a todas as pessoas que estão dando suporte para que esse evento aconteça” e “aos nossos palestrantes, ambos com formação interdisciplinar”.

Guia de Bolso

Em seguida, foi a vez da juíza federal Enara Olímpio relacionar algumas das ações da semana, que vem sendo divulgadas pelas assessorias de comunicação dos três órgãos, como o lançamento de um Guia de Bolso, em formato virtual, contendo conceitos de assédio e discriminação e auxiliando na sua identificação; os contatos das Comissões no SIGA-DOC e endereços de e-mail, dentre outras informações.

A magistrada ainda reforçou que a Resolução TRF2 n. 55/2023 é um “importante enunciado acerca da atuação de nossa Comissão”, que tem “caráter basicamente de efetiva escuta”, destacando que a atuação das Comissões é pautada “no acolhimento, sigilo e confidencialidade”. Por fim, agradeceu aos palestrantes e a “essa cooperação – sem o trabalho de todos esse evento não seria realizado”.

Ilícito

Primeira a falar, a amazonense Jeane Martins, advogada trabalhista, professora, mestre e doutora em Direitos Fundamentais e pesquisadora do mundo do trabalho disse ser “muito apaixonada por esse ramo do direito” que escolheu “para se profissionalizar e atuar”.

Ela delimitou sua fala ao assédio moral, “tratando-o como um ilícito que viola um direito fundamental a toda trabalhadora e a todo trabalhador de ter um meio ambiente saudável no trabalho”, local onde passamos a maior parte de nossa vida. O trabalho é um direito fundamental, garantido na Constituição que assegura que ele não adoeça o trabalhador.

“Mas mudanças no mundo do trabalho passaram a exigir um novo perfil do trabalhador, flexível, competitivo, qualificado, com aumento de pressões e angústias por produtividade, gerando competições e individualismos, campo fértil para o adoecimento do meio ambiente do trabalho e o assédio moral”.

Essa situação ocorre tanto na iniciativa privada quanto na pública, onde há poucos cargos para ascender na carreira, poucos concursos, dentre outros fatores que acabam gerando o adoecimento do meio ambiente do trabalho.

Conceito

A palestrante usou a definição de assédio moral que acredita ser “das mais completas” – a da Resolução CNJ n. 351, de 28/10/2020, que considera assédio moral “violação da dignidade ou integridade psíquica ou física de outra pessoa por meio de conduta abusiva, independentemente de intencionalidade, por meio da degradação das relações socioprofissionais e do ambiente de trabalho, podendo se caracterizar pela exigência de cumprimento de tarefas desnecessárias ou exorbitantes, discriminação, humilhação, constrangimento, isolamento, exclusão social, difamação ou situações humilhantes e constrangedoras suscetíveis de causar sofrimento, dano físico ou psicológico”.

Essas condutas abusivas podem ser consideradas fator gerador de um meio ambiente do trabalho degradado. Alguns exemplos de comportamentos abusivos são: cumprimento de tarefas desnecessárias ou exorbitantes, discriminação, humilhação, constrangimento, isolamento, exclusão social, difamações ou situações humilhantes e constrangedoras.

Dentre as espécies de assédio moral temos o vertical descendente – a violência parte do chefe ou superior hierárquico-, vertical ascendente – a violência é praticada pelo grupo de empregados contra um chefe -, e horizontal – a violência é praticada por um ou vários colegas de mesmo nível hierárquico.

Todos nós temos direito fundamental ao meio ambiente do trabalho saudável, de trabalhar num local sem adoecimento, livre de assédio.

Efeitos

Para a vítima, o assédio moral causa prejuízo no seu rendimento laboral, decorrente do desequilíbrio psíquico, que pode evoluir para um quadro psicossomático, com aparecimento de mazelas físicas e/ou psíquicas, como ansiedade, bipolaridade, baixa autoestima profissional e pessoal e prejuízo no convívio social e familiar, e, em alguns casos, suicídio.

Para o tomador de serviços, os efeitos da prática de assédio moral são a violação de “deveres jurídicos” traçados pela Constituição de 1988, incidindo em prejuízos econômicos e, em caso comprovado de doença causada pelo assédio, o dever de indenizar. Sendo o assediador um servidor público, o Estado – União, estados e municípios – pode ser responsabilizado civilmente pelos danos materiais e morais sofridos pela vítima porque possui responsabilidade objetiva.

Informar é prevenir

Esse momento é fundamental para tomar consciência desse ilícito e das consequências que ele pode trazer para todos, pois uma das principais formas de prevenção é a informação sobre o tema. “Quando a Justiça Federal nos convida a debater esse tema, existe aí um indicativo de quererem expor esse tema, essa problemática, para que as pessoas que estão sendo vítimas procurem ser ouvidas, denunciem, procurem ajuda”. “Precisa haver punição para o assediador, que sejam tomadas providências para desestimular a prática do assédio”. “É preciso acolher essa vítima, investigar para se não cometer injustiça, e sim punir para que esse comportamento seja extirpado das relações de emprego”, concluiu a palestrante.

Interseccionalidade

O segundo palestrante da tarde, Rafael Azevedo Nespoli, é servidor da Seção Judiciária do Espírito Santo há 19 anos e hoje atua como chefe de gabinete na 2ª Turma Recursal capixaba. Graduado em Direito e História, e mestre em História Social com ênfase em estudos de gênero pela Ufes, vem, desde o ano passado, atuando em palestras na Seccional sobre o tema. Desta vez, Rafael trouxe para reflexão uma análise interseccional do assédio moral, sexual e da discriminação.

O servidor introduziu o assunto exibindo trecho de entrevista da filósofa e ativista Djamila Ribeiro ao programa Roda Viva, da TV Cultura, na qual ela fala sobre a importância do feminismo negro. “Pensar o feminismo negro é combater uma divisão que já está posta. O debate não é só de gênero. A mulher negra pobre fica aonde? Não pode haver uma primazia de uma opressão pela outra. Não tem como universalizar as categorias e manter os indivíduos que intercruzam de fora – mulheres negras, indígenas, lésbicas. O homem negro também é discriminado. Está abaixo da mulher branca na pirâmide social”, ressaltou a entrevistada.

Categorias

Após o vídeo, Rafael explicou o que é interseccionalidade, com base nos conceitos da socióloga Patrícia Hill Collins: “Todo ser humano é atravessado por questões sociais que lhe precedem: gênero, nacionalidade, raça, classe social, capacidades, sexualidade, região. Algumas categorias são mutáveis, outras não. É como se fôssemos ‘flechados’ por várias categorias”, esclareceu o palestrante.

Para Rafael Nespoli, especialmente num país como o nosso, com uma variedade populacional tão grande, é muito difícil analisar qualquer questão sem uma análise interseccional. “As categorias não são separadas. Ser um homem negro de uma classe social pobre não é a mesma coisa de uma classe mais rica, ou de uma determinada região”, reforçou, acrescentando que “a sociedade vai sendo construída de modo hierarquizado a partir dessas categorias”.

Serviço público

Trazendo a questão para a realidade do serviço público, o palestrante destacou que o próprio concurso público não é tão isonômico ou livre de discriminação quanto se propõe. “Antes de fazer a prova, aquele grupo de pretendentes já tem uma diferença de condições que as precede. As pessoas já começam a prova em desigualdade”.

Nesse contexto, o servidor chamou atenção para a importância da representatividade. Mulheres no poder, por exemplo, vão estabelecer diretrizes, parâmetros, em consonância com ideias, demandas, próprias de sua vivência como mulher. “A experiência é condicionada pelas categorias que elas experimentam”, pontuou o palestrante.

Judiciário

Em relação ao Judiciário, o mestre em História Social citou medidas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que demonstram uma efetiva preocupação com conceitos mais contemporâneos que viabilizem uma maior integração. Um exemplo é a Resolução CNJ nº 255 de 04/09/2018, que institui a Política Nacional de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário e, em seu Art. 2º, determina que os órgãos do Poder Judiciário observem, sempre que possível, “a participação equânime de homens e mulheres, com perspectiva interseccional de raça e etnia, proporcionando a ocupação de, no mínimo, 50% de mulheres…” (Redação dada pela Resolução n. 540, de 18/12/2023).

Dados mostram, contudo, que essa realidade ainda está longe de ser alcançada. E mais ainda quando se fala de acesso ao poder sob uma perspectiva racial. A população brasileira é formada por 43, 5% brancos e 55,7% negros. Na magistratura nacional, o total de negros e negras é de 10,1% de todos os cargos. E desse total somente 6% são mulheres. Segundo levantamento do CNJ, divulgado no seminário “Questões Raciais e o Poder Judiciário”, a projeção é de que, mantido o cenário atual, levariam 30 anos para que se atinjam os 20% de negros na magistratura.

Além de seu presidente e do corregedor nacional de Justiça (ambos homens brancos), o CNJ conta hoje com 13 conselheiros (4 mulheres e 9 homens, todos brancos). De 2004 a 2022, integraram o Conselho 96 homens e 24 mulheres. Ou seja: o CNJ também tem que lidar com a dificuldade de promover uma mudança no seu próprio quadro.

“Isto que estamos fazendo hoje é o mais importante: discutir como modificar questões culturais”, ressalta o servidor. “Hierarquias sociais são muito difíceis de serem quebradas, suplantadas. Precisamos ultrapassar o discurso para que se torne prática, no dia a dia, nos processos, no relacionamento com os colegas, com o jurisdicionado, para não ficar na teoria”.

Assédio

Conforme exposto pelo palestrante, a hierarquia social estabelecida na sociedade também ‘ingressa’ no Serviço Público. “E a ausência de diversidade leva à construção de um ambiente de trabalho que é reflexo das estruturas discriminatórias da sociedade. Essas estruturas hierarquizantes viabilizam a prática de assédio nos vários níveis”, alertou o pesquisador.

Na 2ª Pesquisa Nacional sobre Assédio de Discriminação no âmbito do Poder Judiciário, aberta para preenchimento de dezembro de 2022 a janeiro de 2023, 56,4% dos respondentes declararam já terem sofrido assédio ou discriminação no ambiente de trabalho. Dentre eles, podendo preencher mais de uma opção, 87,9% identificaram a violência como assédio moral, comparado a 14,8% como assédio sexual e 13,1% como discriminação em razão do gênero (CNJ, 2023).

Destaca-se que dentre as mulheres o percentual de respondentes que declararam já terem vivenciado situação de assédio ou discriminação sobe para 62,5% e dentre as pessoas negras sobe para 70,2%. A análise interseccional não foi divulgada pelo Conselho Nacional de Justiça. (CNJ, 2023).

Novo integrante

Ao final de sua palestra, Rafael Nespoli anunciou que na terça-feira, dia 7, ele passou a integrar oficialmente na Comissão de Enfrentamento e Prevenção do Assédio e da Discriminação da SJES. “Fiquei muito feliz com o convite e terei enorme satisfação em colaborar”.

Chat

A palestra foi assistida por 62 pessoas.

Ao final das apresentações, muitos participaram no chat com perguntas, agradecimentos e elogios. Dentre eles, a corregedora regional, que elogiou e parabenizou os palestrantes, Jeane Martins e Rafael Nespoli, saudando o ingresso deste último na Comissão da SJES. Já o supervisor da Escola de Formação de Servidores da SJFES (EFA-SJES), Ronnie Francis Rangel Mariano, foi também elogiado pela corregedora“ pela condução impecável do evento”.

Prestigiando o evento, o diretor da Secretaria Geral da SJES, Roger Croce Pinheiro, parabenizou os palestrantes “pelas apresentações”. “[Elas] Provocam várias reflexões que servem para a construção de uma dinâmica mais saudável no trabalho”, afirmou no chat.

Amadurecimento

Coube à juíza federal Flávia Rocha Garcia, vice-presidente da Comissão da SJES, encerrar o evento, agradecendo aos palestrantes “por compartilharem seus conhecimentos”. “É um tema muito difícil, que envolve a estrutura do Poder Judiciário. O objetivo dessa semana e dessa palestra é mesmo informar, ter esse momento de reflexão, reforçar esses conceitos com todos, para que possamos fortalecer a instituição, dando passos para esse desenvolvimento e amadurecimento”, assegurou. Por fim, a magistrada recomendou a leitura do Guia Bolso, “desenvolvido em conjunto pelas Comissões do Rio, para conceituar e entender quando estivermos enfrentando essas situações difíceis no dia a dia”.

Balanço

Durante a Semana Nacional de Combate ao Assédio e à Discriminação, realizada entre 6 e 10 de maio, as Comissões que tratam do tema na Justiça Federal da 2ª Região divulgaram a Campanha “Juntos contra o Assédio e a Discriminação: INFORMAR para CONSCIENTIZAR”.

No lançamento da Campanha, dia 6, foi divulgado o Guia de Bolso com os principais conceitos relativos a assédio e discriminação; na SJES, foi realizada a palestra “Juntas e seguras no ambiente de trabalho”, com a advogada especialista em Direito da Mulher Renata Bravo, especialmente para colaboradoras e colaboradores que prestam serviço às empresas terceirizadas em toda a Seccional; no dia 7, foi divulgado e-mail marketing reforçando a divulgação da palestra que aconteceria no dia seguinte; no dia 8, foi realizada a palestra on-line “Construindo um ambiente seguro e saudável – a importância da política de prevenção e enfrentamento do assédio moral, sexual e da discriminação no Poder Judiciário”, com a advogada, professora, mestre e doutora Jeane Martins, e o servidor da SJES Rafael Nespoli; no dia 9, postagem na Intranet dos três órgãos apresentou as Comissões, sua composição e atribuições; no dia 10, encerrando a Campanha, foram divulgadas as definições e o que fazer diante de situações assediadoras ou discriminatórias, além do contato das três Comissões.

Serviço:

Saiba quais são os contatos das comissões de combate ao assédio na 2ª Região:

TRF2 – cpamas@trf2.jus.br
Seção Judiciária do Rio de Janeiro – prevencaoassedio@jfrj.jus.br
Seção Judiciária do Espírito Santo – assedio@jfes.jus.br

*Fonte: SJES

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