Evento do CEJ/CJF discute alternativas para investigações mais consistentes e julgamentos mais justos*

Publicado em 17/11/2014

        Encontrar caminhos para melhorar a relação entre o Poder Judiciário e a Polícia Federal, com a intenção de garantir uma resposta mais efetiva à sociedade. Esse foi o desafio do evento: Primeiro Diálogo entre a Magistratura Federal e a Polícia Federal, realizado pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CJF), com apoio do Departamento de Polícia Federal, que aconteceu nos dias 13 e 14, na sede do CJF.
        A primeira palestra do encontro foi proferida pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça, Nefi Cordeiro, que falou para sobre os aspectos da investigação policial que podem trazer dificuldades para o magistrado durante o julgamento, para uma plateia de juízes, desembargadores, delegados e outros profissionais que atuam na investigação de crimes.
        Um dos pontos levantados se refere à coleta de provas no início das apurações. De acordo com Nefi Cordeiro, as equipes de inteligência da Polícia Federal, muitas vezes, solicitam à Justiça quebras de sigilos sem antes terem feito uma apuração prévia que justifique esse tipo de medida. O magistrado destacou que as informações coletadas a partir da quebra do sigilo devem ser provas indispensáveis e não iniciais.
        Ainda em relação ao acesso a informações pessoais e sigilosas de um suspeito, o ministro fez uma análise dos pedidos levados à Justiça com base em denúncias anônimas. Na visão do magistrado, esse tipo de denúncia deve conduzir ao início de uma investigação policial que, a partir de provas coletadas em um segundo momento, poderá justificar a autorização das chamadas medidas invasivas. “É importante ficar claro quais provas foram colhidas e como elas foram feitas. O problema é quando a polícia deixa de ilustrar que, depois das denúncias anônimas, foram realizadas investigações que justifiquem, por exemplo, o uso de escutas telefônicas”.
        Outro assunto abordado no encontro diz respeito à qualidade das provas anexadas ao processo judicial. O ministro destacou que a degravação de escutas telefônicas não é necessária, mas ele ressaltou que as mídias devem ser disponibilizadas ao juiz. Além disso, o conteúdo registrado deve estar completo e acessível. A razoabilidade das apreensões realizadas em diligências policiais também mereceu destaque na palestra, que abordou ainda o papel do Ministério Público Federal nas investigações. “O Ministério Público não tem a atribuição de investigar, mas as provas colhidas pelo MP possuem validade e têm utilidade”, ressaltou o magistrado.
 
Técnicas de investigação
 
        A atuação do Ministério Público foi o tema mais debatido durante a segunda palestra do evento “Diálogo entre Magistratura Federal e Polícia Federal”. O coordenador geral do Centro Integrado de Inteligência Policial, delegado Luiz Roberto Ungaretti de Godoy, chamou a atenção para o que ele classificou de tentativas de interferência por parte do Ministério Público nas atividades de inteligência.
        De acordo com Godoy, muitas vezes, os procuradores querem ter acesso aos relatórios sigilosos da Polícia Federal. “Se submetermos essas investigações ao controle externo, vamos acabar com o trabalho de inteligência, porque os objetivos do Ministério Público e da Polícia Federal são completamente díspares”, ressaltou.
        No encontro, Luiz Roberto Godoy também falou sobre a sobrecarga de trabalho, enfrentada por juízes e desembargadores, e que acaba atrasando decisões importantes para as investigações em curso. Outro tema abordado na palestra foi a dificuldade que a Polícia Federal encontra para obter informações de empresas privadas internacionais (Facebook, Google e Whatsapp) e até de empresas de telefonia nacionais. “A intenção é mudar todo o sistema de monitoramento para que ele não dependa dessas empresas. Essa seria uma forma de evitar, por exemplo, que informações sigilosas caiam em mãos erradas”, explica Godoy.
 
Estagnação da investigação
 
        O segundo e último tema da noite foi apresentado pelo desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), Abel Gomes, que falou sobre os principais pontos de estagnação da investigação. Dentre as hipóteses levantadas por ele, está a necessidade de se reunir toda documentação necessária ao início de um inquérito, por exemplo. A dificuldade, nesse caso, se deve ao fato de que, na maioria dos casos, as denúncias chegam à Polícia por meio de notícia anônima ou são decorrentes de outras investigações.
        Além dessas hipóteses, o magistrado destacou que outro problema recorrente é a verificação da procedência da documentação e dos informantes. “É importante verificar, pois esse procedimento deve constar no inquérito”, lembrou. Segundo ele, não é possível iniciar uma investigação criminal sem essa conferência.
        O desembargador também citou dificuldades enfrentadas pelos policiais na hora de colher as provas para confrontá-las com outras. Pontuou ainda a necessidade e pertinência do sigilo, previsto inclusive na Súmula Vinculante 14 do Supremo Tribunal Federal (STF). “O sigilo do inquérito, na sua fase inicial, existe em qualquer lugar do mundo”, frisou. O intuito, segundo Abel Gomes, é proporcionar equilíbrio na apuração e preservar as pessoas e fatos.
        Em sua apresentação, o magistrado mencionou ainda, como possíveis motivos de estagnação da investigação, as escutas ambientais, que precisam estar acompanhadas de fotografias e dossiês; o rodízio de delegados na operação; as apreensões de equipamentos e perícias por amostragem; a necessidade eventual de apresentação de laudos impressos e padronizados; a elaboração de conclusões de forma clara, em relatórios parciais e finais que sintetizem o cruzamento de informações, estabeleçam organogramas, cronogramas e diagramas; e o levantamento de bens com maior especificação, a fim de assegurar a aplicação da medida correta para o caso.
 
Perspectivas
 
        Visões diferentes e, muitas vezes, complementares permearam as palestras que apontaram caminhos para garantir investigações mais consistentes e julgamentos mais justos. Na visão do ministro Nefi Cordeiro, o estreitamento das relações entre a Magistratura Federal e a Polícia Federal traz vantagens como a celeridade na resposta ao cidadão. “Com diálogo, é possível ser mais eficiente na reunião de elementos probatórios e na concentração de provas úteis”.
        Mas o magistrado também destacou alguns riscos. “Corremos o risco de haver uma confusão nas funções processuais e também de afetarmos a imparcialidade judicial, policial e ministerial”, alertou. Riscos que só precisam ser evitados. “As vantagens são enormes. Vamos todos conversar com o mesmo objetivo: realizar justiça. Vamos fugir desses riscos. O encontro é inovador, é útil. Felicidades nesse diálogo”, concluiu.
 
*Fonte: CJF
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