Oficina com juízes, médicos e governo que discutiu direito à saúde apresenta conclusões

Publicado em 06/09/2011

         O Ministério Público Federal entra com pedido judicial para obrigar a União e o Estado do Rio de Janeiro a fornecer a portadores de hipertensão arterial pulmonar o medicamento Bosentana, comercializado por quase R$ 17 mil a caixa com 60 comprimidos. A Justiça Federal, então, concede liminar, ordenando a inclusão do remédio na lista do SUS. O governo recorre: a Bosentana não teria sua eficácia comprovada por estudos técnicos, além de que haveria a distribuição de outras drogas para tratamento da enfermidade. Já a outra parte alega que não há opções terapêuticas para substituir a Bosentana e que pesquisas confirmariam significativo aumento na sobrevida de pacientes tratados com o composto farmacêutico.
           O caso é real, recorrente e exemplifica o grande desafio que enfrentam os juízes que lidam com esse tipo de ação, cujo resultado pode representar a sobrecarga do sistema de saúde, por um lado, ou risco à vida do cidadão, por outro.
        A necessidade de promover o debate da matéria e a padronização de soluções dos processos que tratam da questão levou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a criar, em 2010, o Foro Nacional de Saúde, instituindo comitês executivos em vários estados. Em junho de 2011, a coordenação do Rio de Janeiro promoveu a oficina “Os desafios da tutela judicial do direito público à saúde”, que contou com a participação de magistrados, representantes do governo estadual e federal, defensores públicos, promotores de justiça e procuradores da República, pesquisadores e advogados.
         No evento, que teve lugar no Núcleo de Ciências do Poder Judiciário (Nupej), da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, foram formados grupos de trabalho que discutiram três temas: “o controle judicial da discricionariedade administrativa técnica”, “o princípio da isonomia e as demandas repetitivas” e “outros meios adequados de solução de conflitos”.

Respeito a políticas públicas

         Entre os muitos consensos fechados durante a oficina, a recomendação de realização  de audiência especial para ouvir o médico que assina a receita, quando houver dúvida sobre a prescrição do remédio. Ainda, foi destacada a necessidade de dar caráter coletivo às causas em que o autor questiona problema que afete toda a comunidade, como, por exemplo,  quando  não há leitos suficientes nos hospitais da rede pública.
         Também é muito importante a conclusão de que o poder público deve buscar formas de unificar as centrais de regularização de vagas dos leitos hospitalares, criando um cadastro de vagas municipais, estaduais e federais . Outra ideia que deverá ser apresentada ao executivo é a da criação de ouvidorias no Ministério da Saúde e nas secretarias de saúde estadual e municipal, para receber reclamações da população. Já para o judiciário, ficou, entre outras, a proposta de criação de câmaras técnicas e de centros judiciários de solução de conflitos e cidadania especializados em saúde.
        Para os participantes do evento, a assistência à saúde é dever do poder público, que para ser cumprido deve incluir a capacitação de agentes que disseminem informação acerca de como e onde buscar a prestação desses serviços. Mas também ficou definida a importância de que sejam respeitadas as políticas públicas firmadas sobre o assunto. Por conta disso é que um dos enunciados formalizados na oficina declara que “o direito à saúde é direito fundamental, sendo dever do Estado, lato sensu, realizar de forma universal a assistência à saúde, inclusive medicamentosa; porém, devem ser observadas as políticas públicas, sendo possível transigir no que se refere à forma e ao tipo de assistência a ser prestada”.

Pesquisa e ensino

         O comitê executivo do Foro Nacional de Saúde atua em duas frentes, uma de pesquisa, outra de ensino: “Com relação às atividades de pesquisa, o comitê almeja a instituição de um banco eletrônico de dados estatísticos e de decisões judiciais, bem como a realização de workshops e seminários de pesquisa, com o fim específico de obter a padronização de rotinas administrativas e judiciais, a elaboração de propostas de normas administrativas, e a uniformização da interpretação de leis materiais e processuais pertinentes ao direito público de saúde e sua proteção judicial”, explica o juiz federal Ricardo Perlingeiro, que divide com a juíza de Fazenda Pública Maria Paula Galhardo a coordenação dos trabalhos no núcleo fluminense do foro.
         Na abertura da oficina realizada em junho, a presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), desembargadora federal Maria Helena Cisne, elogiou a iniciativa de estabelecer uma pauta entre técnicos e autoridades para analisar esse assunto delicado, que confronta o direito individual à saúde (e, muitas vezes, à vida) com questões orçamentárias: “O juiz se vê quase sempre em uma situação difícil de escolha. Ele sabe que, o que o jurisdicionado postula aqui, tomará grande parte do orçamento destinado à aquisição de produtos e à execução de serviços para atender toda a população. Muitas vezes estamos tratando da compra de medicamentos que custam, uma única caixa, dezenas de milhares de reais. Já me vi várias vezes nesse difícil dilema e sempre procurei ouvir peritos, para tentar saídas alternativas”, afirmou.

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