Webinário sobre violência doméstica e familiar divulga grupos de apoio e assistência a magistradas e servidoras*

Publicado em 22/03/2024

Pesquisa sobre Violência Doméstica e Familiar contra Magistradas e Servidoras do Sistema de Justiça, divulgada em 2022, pela FGV/SP, aponta que 40% das magistradas e das servidoras já sofreram algum tipo de violência doméstica

 

A Seção Judiciária do Rio de Janeiro (SJRJ) realizou na tarde de terça, 19 de março, um webinário sobre a instituição de “Grupos de Apoio e Assistência a Magistradas e Servidoras em situação de violência doméstica e familiar” no Tribunal e nas Seções Judiciárias do Rio de Janeiro e do Espírito Santo.

Participaram como debatedoras as magistradas coordenadoras dos grupos e uma servidora integrante do Grupo da SJRJ: a desembargadora federal Andrea Cunha Esmeraldo (TRF2), as juízas federais Michelle Brandão de Sousa Pinto (SJRJ) e Lilian Mara de Souza Ferreira (SJES) e a psicóloga Aniele de Castro Xavier (SJRJ).

 

 

Os grupos foram instituídos pelo Tribunal por meio Resolução nº TRF2-RSP-2024/00002, de 8 de janeiro de 2024. A iniciativa atende à Resolução do CNJ n.º 254/2018, que instituiu a Política Judiciária Nacional de enfrentamento à violência contra as mulheres pelo Poder Judiciário. O Grupo do Rio de Janeiro foi instituído pela Portaria da Direção do Foro nº JFRJ-POR-2024/00057. O Grupo do Espírito Santo foi instituído por meio da Portaria n. JFES-POR-2024/00006 de 8 de fevereiro de 2024. As três instituições já designaram os membros dos respectivos grupos, que têm caráter interdisciplinar, com representantes da magistratura e das áreas de saúde, comunicação e segurança.

Transmitido pelo Zoom, o webinário teve como objetivo divulgar os objetivos, as competências e as ações iniciais dos grupos. Foi também uma oportunidade para trocar ideias e esclarecer dúvidas com as integrantes dos grupos de apoio.

Dados alarmantes

Na abertura do evento, foram passados dados alarmantes. “O nosso país ocupa o quinto lugar no ranking mundial de feminicídios, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH). No ano passado, pesquisa divulgada pelo Instituto DataSenado mostra que 30% das mulheres já sofreram algum tipo de violência doméstica ou familiar provocada por homens em algum momento da vida. Pesquisa sobre Violência Doméstica e Familiar contra Magistradas e Servidoras do Sistema de Justiça, divulgada em 2022, pela FGV/SP, aponta que 40% das magistradas e das servidoras já sofreram algum tipo de violência doméstica.”

Coibir esse tipo de violência tem sido desafiador. De acordo com a Lei Maria da Penha, ‘configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial’. A Lei é um marco, tipificou o crime e instituiu medidas protetivas e de acolhimento. Deu visibilidade ao problema. Mas os índices continuam assustadores e muito ainda precisa ser feito.

Tabu

A primeira debatedora, desembargadora federal Andréa Esmeraldo, que coordena o grupo do TRF2, comentou que os dados revelados pela pesquisa da FGV “ainda são um número um pouco invisível, na medida em que nem todos os tribunais têm canais apropriados para acolhimento, além de as mulheres não buscarem apoio por receio de ficarem estigmatizadas no ambiente familiar, social, profissional, e por medo de retaliação do agressor”.

A magistrada informou que será estabelecido, na 2ª Região, um cronograma de ações coordenadas entre o tribunal e as seções judiciárias, protocolo, capacitação e sensibilização. “A pessoa que sofre a violência, especialmente psicológica, muitas vezes nem consegue se identificar como vítima de violência. Precisamos mostrar que ela não está sozinha e quebrar este tabu: “Como eu, magistrada, encontro-me numa situação como essa?”. “Muitas vezes, é uma dificuldade a mais para tomar uma decisão”, observou.

Medidas iniciais

A juíza federal Michelle Brandão (SJRJ) destacou o caráter multidisciplinar dos grupos e informou que o grupo da Seccional fluminense já vem debatendo algumas propostas. “Primeiramente, informar sobre a existência do grupo, esclarecer o que é a violência – se aquela situação configura uma situação de violência, e como ela pode procurar ajuda. Futuramente, pretendemos estabelecer cursos de defesa pessoal. “São medidas iniciais. Outras serão implementadas no decorrer do tempo, em conjunto com o TRF2 e a SJES.”

A coordenadora do grupo de apoio na SJES, juíza federal Lilian Ferreira, apresentou inicialmente os integrantes do grupo na Seccional – Josélio Santos Nascimento (diretor de Gestão de Pessoas), Joel Cardoso Júnior (assistente social), Alexandre Magno Vieira de Paola (psicólogo), Ana Paola Dessaune Carlos Vidal (diretor de Comunicação Social e Relações Públicas) e Wilkilane Gutler de Paula (diretor de Polícia Judicial).

Em seguida, divulgou algumas medidas já implantadas pelo grupo na Seccional capixaba, como a criação de uma página na intranet com informações sobre o grupo de apoio e contatos de seus integrantes, legislação, telefones para casos de urgência (delegacias, defensorias, abrigos) e de um e-mail institucional para quem precisar de ajuda ou orientação (acolhimento@jfes.jus.br), direcionado ao serviço de saúde.

“Tudo para que ela se sinta mais à vontade para buscar acolhimento, numa situação tão comum e aparentemente tão distante da nossa realidade”, declarou a juíza. “Faremos reuniões para análise de risco e estudaremos as medidas possíveis para efetivar o apoio integral da pessoa, buscar ferramentas e soluções possíveis na instituição. A ideia é acolhimento mesmo, de forma sensível e humana, dentro do que a gente pode administrativamente”, acrescentou, revelando que também estuda para o futuro a oferta de um curso de sobrevivência em violência urbana contra a mulher.

Estigma

A psicóloga Aniele Xavier (SJRJ) refletiu sobre como falar em escapar do ciclo de violência doméstica, para um público que a gente julga muito esclarecido.

“Fica difícil visualizar essas situações entre nossos pares de trabalho, imaginar que temos colegas próximos passando por violência doméstica e familiar. Como é difícil assumir que a gente está sofrendo essa situação que ainda tem um estigma, é constrangedor, traz uma sensação de culpa”, iniciou.

Para acabar com esse ciclo, Aniele acredita que é importante mudar o nosso imaginário da violência doméstica: a imagem da mulher pobre, vulnerável, destituída de saber, de escolaridade, dinheiro. “Claro que há grupos mais vulneráveis e que a violência física é mais visível. Mas antes dela tem a violência doméstica, que ‘pega’ na autoestima da vítima. Eu mesma posso ter dúvida se estou sofrendo ou não. Isso tem relação com a nossa construção afetiva como mulher, que ‘passa pano’ para determinadas violências, porque prefere estar com alguém do que sozinha, para ser socialmente aceita”, considerou.

A psicóloga também ressaltou valores equivocados que ainda existem: “ela gosta de apanhar, de sofrer, quer isso”. “Com isso, a gente acaba se afastando, lava as mãos”, observou. Para Aniele, a dinâmica da violência traz muitos fatores psicológicos, que em algumas situações são mais importantes que a questão financeira. “A gente não vai conseguir ajudar as nossas colegas enquanto alimentar esses pré-julgamentos”, alertou.

Como exemplo de caso de violência doméstica e familiar que atingiu de forma trágica uma profissional do sistema de Justiça, a servidora lembrou do assassinato da juíza Viviane Cunha do Amaral, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em dezembro de 2020, na frente dos filhos. O ex-marido foi preso em flagrante por feminicídio.

“O isolamento gerado pela violência favorece a perpetuação do ciclo”, alertou a psicóloga. “É preciso diálogo com o outro, debater, conversar, pedir auxílio. Para pedir, não precisa ter certeza se está sendo vítima. A gente não está ali para julgar, mas para abrir espaço de diálogo, disposto a conversar com essa servidora ou magistrada. Como quebrar o ciclo: identificar e buscar rede de apoio. Acolher sem julgar, sem expor. Incentivar essa busca, mesmo que não esteja caracterizada a situação de violência. Mas, se houver dúvidas, por que não conversar sobre isso?”.

Sigilo

“Como garantir a privacidade e o sigilo da pessoa que busca os grupos de apoio?”, quis saber alguém, no chat, ao final do Webinário.

As magistradas tranquilizaram o/a participante: os membros dos grupos de apoio assinaram um termo de confidencialidade e só quem recebe o e-mail são as pessoas do grupo.

A juíza federal Lilian Ferreira (SJES) lembrou ainda que os grupos são formados por médicos, assistentes sociais e psicólogos, “cujas profissões já exigem a confidencialidade”.

*Fonte: SJES

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