Abuso do poder econômico e judicialização da saúde – Empório do Direito – 16/09/2019

Publicado em 17/09/2019

Clênio Jair Schulze 

Questão interessante na judicialização da saúde é saber se existe possibilidade jurídica de condenação do laboratório a vender medicamento e tecnologias em saúde ao Estado?

A questão exige a análise dos seguintes pontos.

Em primeiro lugar, a atividade da indústria está tutelada pelo princípio da livre iniciativa, que orienta a ordem econômica prevista no artigo 170 da Constituição brasileira[1].

Em segundo lugar, o exercício da atividade privada não é um direito absoluto, pois exige a necessidade de observar a função social, nos termos do dispositivo constitucional já mencionado.

Em terceiro lugar, há casos em que o laboratório não participa da licitação, porque o ente licitante já possui um débito antigo e não quitado. Neste caso, em princípio, não haveria possibilidade jurídica de condenar o fabricante a contratar com o Estado, diante do iminente risco de não receber o preço do produto vendido.

Contudo, quando o ente não possui dívida e mesmo assim a licitação é deserta (sem oferta), pode-se avaliar o caso a partir da função social da atividade privada, ou seja, há a fabricação do produto mas o seu fabricante não tem interesse em alienar ao governo (fomentando a comercialização apenas na rede privada – farmárcias). Neste caso, em tese, é possível enquadrar a situação no abuso do poder econômico, em alguma das hipóteses previstas no artigo 36 da Lei 12.529/2011[2].

Por fim, o fundamento acima mencionado ainda tem outro ingrediente: a licitação deserta enseja a não dispensação administrativa do produto; em consequência, haverá judicialização; em decorrência, o preço do produto será mais caro, em tese, pois observará o preço de mercado – de venda em farmácia – geralmente mais alto do que aquele pago nas aquisições públicas (licitações).

Como se observa, a questão é importante e merece observação por parte dos agentes estatais, principalmente do Ministério Público e dos magistrados, que possuem o dever de evitar e sancionar os abusos (dos entes públicos) e dos laboratórios.

Notas e Referências:

[1]BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Acesso em: 13 Set. 2019.

[2]BRASIL. Lei 12.529, de de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, e a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei nº 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. Acesso em: 13 Set. 2019.

 

Clenio Jair Schulze é juiz federal. Foi juiz auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça – CNJ (2013/2014). É mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – Univali. É co-autor do livro “Direito à saúde análise à luz da judicialização”.